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Julho de 2025 - #3 FAmintos

No substack: esFOAMeados No patreon: esFOAMeados Em podcast: Hipótese Nula


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TABELA DE CONTEÚDOS


SINOPSE


🎂 Nata da nata

- SCA no idoso --> ICP não superior a tratamento conservador no que toca a "POOs" (JAMA Internal Medicine)

- Dor neuropática --> Medicação de 1ª-linha eficaz e relativamente segura (Lancet Neurology)

- Polimedicação --> Intervenções p/ reduzir PPIs reduzem (ligeiramente) fármacos...mas relevância clínica? (JAMA NO)


🍰 Nata

- FA e Obesidade --> Ablação vs Anti-arrítmicos + Perda de peso supostamente menos eficaz...mas talvez igual ou mais? (PRAGUE-25, JACC)

- HTA --> Lorundrostato (iAS) reduziu PAS...mas faltava tto de 1ª-linha e comparar c/ ARM (LAUNCH-HTN, JAMA NO)

- "Alergia" à penicilina --> Algoritmo de certificação de suposta alergia iniciado nos CP eficaz (ALABAMA, Lancet PC)

- IC --> Restrição hídrica (mais uma vez) não eficaz. Ingestão total semelhante em ambos os grupos. (Nature Medicine)


🧐 Observações

- Revisões sistemáticas: Ferro oral com vitamina C (BVTH)

- Primários: CDI e duração da bateria (Hearth Rythm) | Aprovação de fármacos mais abrangente que a evidência ; Nova def. de obesidade e desfechos (AIM) | Cirrose e iSGLT2: futuro potencial? (JAMA NO) | PBE sob abt profiláctico c/ mais recurrência? (JAG)


Opiniões

- Perspectiva: Mais controvérsia sobre o ticagrelor (BMJ) | Nefropatia associada ao contraste - mito!? (TWDFNR)


🌎FOAMed

Fractura do escafóide: ligadura vs gesso (RebelEM) | TC para diagnosticar CCR (Cochrane) | Mirabegron na bexiga hiperactiva (TFP)



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REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs

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Cardiovascular

n = 3.009 / 8 ECRs, revisão sistemática com meta-análise, vários países, 1996–2024 (seguimento ≥1 mês)

P – Doentes ≥70 anos com síndrome coronária aguda (SCA)

I – Estratégia invasiva precoce (angiografia ± ICP/CABG)

C – Abordagem conservadora (tratamento médico com angiografia apenas se necessário)

O 1º » IGUAL Mortalidade por todas as causas: RR 1,05; IC95% 0,98–1,11 (ns)

O 2º » Menos reEAM: RR 0,78; IC95% 0,67–0,91 ⬇️

  » Mais nova revascularização: RR 0,43; IC95% 0,30–0,60 ⬇️

  » Mais hemorragia major: RR 1,60; IC95% 1,01–2,53 ⬆️

  » Iguais outros (óbito CV, AVC, IC, MACE)

Comentário: A estratégia invasiva precoce em idosos com SCA não reduziu a mortalidade global, apesar de diminuir reenfartes e revascularizações subsequentes. Contudo, este benefício foi contrabalançado por aumento significativo de hemorragias major. Ademais, essa redução não se repercutiu sequer em menor mortalidade cardiovascular ou insuficiência cardíaca. Portanto, até prova em contrário e sem sabermos mais desfechos, a redução de reenfartes do miocárdio - desfecho que pode não ser orientado ao doente, poisbasta uma troponinazeca de elevada sensibilidade subir e descer para alguém chamar a isso de reenfarte - não teve grande impacto clínico (lembro sempre neste tema a recente RS que viu que o desfecho de EAM não se costuma relacionar com o desfecho de mortalidade global). A decisão terapêutica deve ser individualizada, tendo em conta não só risco isquémico como também orisco hemorrágico e expectativas de vida, sempre com a noção de que catéter na coronária não é o santo graal dos idosos.

Conclusão: Sem benefício em mortalidade com abordagem invasiva precoce em idosos com SCA; reduz reinfarte e revascularizações, mas aumenta o risco de hemorragia major. Decisão deve ser centrada no doente.


Geral, Geriatria & Paliativos

n = 417.412 / 118 ECAs, revisão sistemática com meta-análise, vários países, até 2024

P – Adultos ≥65 anos em cuidados primários ou instituições (lar, residência assistida)

I – Intervenções para reduzir prescrições potencialmente inadequadas (PPI)

C – Cuidados habituais (sem intervenção específica sobre PPI)

O 1º » MENOR Nº de medicamentos prescritos: SMD −0,25 (IC95% −0,38 a −0,13), ~0,5 fármacos/pessoa

O 2º » Iguais EA não graves: RR 0,92; IC95% 0,58–1,46 (ns)

   » Iguais Quedas com lesão: SMD 0,01; IC95% −0,12 a 0,14 (ns)

   » Igual Qualidade de vida: SMD 0,09; IC95% −0,04 a 0,23 (ns)

   » Iguais Consultas médicas: SMD 0,02; IC95% −0,02 a 0,07 (ns)

   » Iguais Idas à urgência: RR 1,02; IC95% 0,96–1,08 (ns)

   » Iguais Internamentos: RR 0,95; IC95% 0,89–1,02 (ns)

   » Iguais Mortalidade: RR 0,94; IC95% 0,85–1,04 (ns)

Comentário: As intervenções para reduzir a prescrição inadequada em idosos foram seguras e eficazes na redução do número total de medicamentos, mas não demonstraram benefício consistente em desfechos clínicos como hospitalizações, mortalidade ou qualidade de vida. A grande heterogeneidade dos ensaios (tipo de intervenção, definição de PPI, duração) limita a comparabilidade dos resultados. Futuras investigações deverão centrar-se em desfechos relevantes para os doentes, com critérios uniformizados e avaliação sistemática de efeitos adversos.

Conclusão: Intervenções para reduzir PPI em idosos diminuem o número de fármacos prescritos, sem impacto claro em mortalidade, internamento ou qualidade de vida.


n=48.789 / 313 ECAs (284 fármacos + 29 neuromodulação), RS com meta-análise, vários países, até Fev 2024

P – Dor neuropática definida pela IASP (ex. neuralgia pós-herpética, PNP diabética dolorosa, dor central pós-AVC)

I – Fármacos ou neuromodulação ≥3 semanas

C – Placebo ou simulação

O 1º » Alívio ≥30–50% da dor (respondedores)

O 2º » EA com abandono do tratamento

Fármacos de 1.ª linha (recomendação forte):

• Antidepressivos tricíclicos – NNT 4,6 (IC95% 3,2–7,7), NNH 17,1 (11,4–33,6)

• Ligandos α2δ (gabapentinoides) – NNT 8,9 (7,4–11,1), NNH 26,2 (20,4–36,5)

• IRSNs – NNT 7,4 (5,6–10,9), NNH 13,9 (10,9–19,0)

2.ª linha (recomendação fraca):

• Capsaicina 8% – NNT 13,2 (7,6–50,8), NNH 1129,3 (135,7–∞)

• Lidocaína 5% em emplastro – NNT 14,5 (7,8–108,2), NNH 178,0 (23,9–∞)

• Capsaicina tópica (baixa conc.) – NNT 6,1 (3,1–∞), NNH 18,6 (10,6–77,1)

3.ª linha (recomendação fraca):

• Toxina botulínica – NNT 2,7 (1,8–9,6), NNH 216,3 (23,5–∞)

• Estimulação magnética transcraniana repetitiva – NNT 4,2 (2,3–28,3), NNH 651,6 (34,7–∞)

• Opióides – NNT 5,9 (4,1–10,7), NNH 15,4 (10,8–24,0)

Comentário: Esta revisão exaustiva actualiza as recomendações de 2015 para o tratamento da dor neuropática, com base em 313 ensaios. Os fármacos de 1.ª linha (tricíclicos, IRSNs, gabapentinoides) oferecem benefícios moderados, com perfis de segurança aceitáveis a curto prazo. As intervenções tópicas e neuromoduladoras mostram eficácia limitada, mas com menos EA. Opióides mantêm-se como último recurso. A exclusão de condições como lombalgia crónica ou fibromialgia reforça a validade externa, mas também limita a generalização. A evidência continua modesta e heterogénea, com necessidade de ensaios de maior duração e focados em subgrupos específicos.

Conclusão: TCAs, gabapentinoides e IRSNs continuam a ser opções de 1.ª linha para dor neuropática, com eficácia modesta e perfil de segurança aceitável. Terapias tópicas e neuromodulação são alternativas de 2.ª ou 3.ª linha.




ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

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Cardiovascular

n = 203, não-oculto, não-inferioridade, 5 centros na República Checa, 2021-2023

P – Doentes com fibrilhação auricular (FA) paroxística ou persistente e obesidade (IMC 30–40 kg/m²)

I – Modificação do estilo de vida (perda de peso e exercício) + antiarrítmicos (LFM+AAD)

C – Ablação por cateter (CA)

O 1º » Menor ausência de FA por >30seg (7d de Holter) aos 12M → 73% vs 34,6% (p de NI=0,99; p de sup<0,001)

O 2º » Igual/maior carga de FA aos 12M → +4,8 pp (IC95%: −17,3 a 7,7), p = 0,17

» Igual/menor Qualidade de vida (AFEQT score) aos 12M → -4,3 (IC95%: +0,8 a -9,4), p = 0,14

» Igual pico de VO₂ aos 12M → +0,98 (IC95%: −2,02 a 0,07), p = 0,13

» Maior perda de peso aos 12M → -6.11kg (1.26-10.95), p = 0.004 ...mas <10% (limiar de benefício para FA)

» Maior redução de HbA1 aos 12M → -2.5% (IC95%: -2,3 a -2,7), p<0,001

» Iguais colesterol, triglicerídeos, PCR e NTpBNP

Comentário: Ensaio inteligente e relativamente robusto apesar de poucos doentes recrutados, com avaliação objectiva de recorrência de FA e seguimento regular por Holter. Embora a intervenção no peso tenha melhorado os parâmetros metabólicos, não conseguiu suplantar a ablação na manutenção do ritmo sinusal por >30seg. Uma grande limitação foi a perda de peso não ter sido superior a 10% (-6kg para um peso basal de 110kg foi +/- 5%) - será que com maior perda de peso a comparação com ablação teria sido menos desequilibrada? O ensaio foi pré-"era aGLP1", o que poderia ter sido um game changer (seria interessante ver uma replicação com ajuda destes fármacos). De qualquer forma, ainda assim, não houve superioridade estatística para os desfechos secundários mais relevantes de carga de FA e qualidade de vida, e isto mesmo com um ensaio sem ocultação (que favorece o grupo de ablação pelo factor psicológico de sensação de problema curado). Portanto, apesar de vendido como superior para ablação, tenho as minhas dúvidas sobre a clara demonstração de superioridade. Atenção: eu continuo a achar que a ablação é uma intervenção eficaz, e temos ECAs e meta-análises recentes a prová-lo, mas isto serve para não nos esquecermos que existem intervenções no estilo de vida como perder peso e cessação de consumo etanólico potencialmente eficazes.

Conclusão: A ablação foi superior à perda de peso na manutenção do ritmo sinusal por >30seg aos 12 meses em doentes com FA e obesidade...mas sem clara vantagem na carga de FA e qualidade de vida e perda de peso <10%.


n = 1.083, duplamente oculto, multicêntrico, 13 países, Nov 2023 – Jan 2025

P – Adultos com hipertensão arterial não controlada com 2 a 5 fármacos anti-hipertensores

I – Lorundrostato 50 mg/dia × 6 semanas

C – Placebo

O 1º » MENOR PAS (automática, consultório) às 6S: −17 vs −8 mmHg → Dif. média ajustada: −9mmHg (−13,3 a −4,9); p < 0,001

O 2º » Menor PAS às 12S: –19,0  vs –11,7 mmHg

» Menor PAS na AMPA de 24h: –15,4 mm Hg (50 mg), p = 0,001

» Maior PAS<125mmHg às 4S: 41% vs 18%; OR 3,3; p < 0,001

» Maior Hipercalemia confirmada (≥6,0 mmol/L): 1,1 % (50 mg) e 1,5 % (50‑100 mg)

» Maior Hiponatremia e redução do DFG <25%: 0,4–0,6 %

» Maior Suspensão por hipercalemia ou hiponatremia: até 0,37% 

» Mais EA emergentes em ≈ 49,9 % – maioritariamente leves/moderadas

Comentário: O lorundrostato, um inibidor selectivo da sintetase da aldosterona, mostrou eficácia significativa na redução da PAS em doentes com HTA difícil de controlar. O perfil de segurança foi favorável, com baixíssima taxa de descontinuação por EA relacionados com potássio ou função renal. Apesar da duração curta (6 semanas), a magnitude do efeito antihipertensor foi comparável ou superior à de outras classes usadas na HTA resistente, como os antagonistas dos mineralocorticoides. O grande problema aqui é a definição mais abrangente de HTA resistente a partir dos 2 anti-hipertensores, deixando dúvidas sobre que doentes estariam completamente sobre tratamento de 1ª-linha (3 classes: BCC, tiazidas e iECAs/ARAs). Supostamente terá a vantagem de menos eventos adversos, mas falta aqui o ECA que mais procuraria ver: comparação com ARM numa população já com as 3 classes.

Conclusão: O lorundrostato demonstrou eficácia e segurança no controlo da HTA não controlada, mas faltavam medicamentos de 1ª-linha e comparação com ARM.


n = 504, não-oculto, Países Baixos, Out 2020 – Jan 2023

P – Adultos com IC em ambulatório, sem internamentos ou procedimentos cardiovasculares nos 3 meses prévios

Basal: 87% NYHA II; ~50% com FE reduzida

I – Aconselhamento para restrição hídrica <1,5 L/dia

C – Aconselhamento liberal (sem limite imposto de ingestão hídrica)

O 1º » IGUAL Qualidade de vida aos 3 meses (KCCQ-OSS): 72,2 vs 74,0; dif, ajustada 2,17p; IC95% −0,06 a 4,39 (ns)

   ↳ < limiar mínimo clinicamente importante (5 pontos)

  O 2º » Mais sede (Thirst Distress Scale): 18,4 vs 14,5; diferença 3,9 pontos; IC95% 2,7 a 5,1

» Igual Hiponatrémia: 4,3% vs 3,9% (ns))

» Igual Hipotensão sintomática: 2,8% vs 3,2% (ns)  

» Iguais Internamentos por IC: 3,6% vs 2,8% (ns)  

» Iguais EA graves: 10,3% vs 9,5% (ns)  

» Igual KCCQ-Social Limitation: 73,8 vs 75,6; dif. 1,8; IC95% −0,6 a 4,3 (ns)  

» Igual KCCQ-Physical Limitation: 75,1 vs 77,2; dif. 2,1; IC95% −1,3 a 5,4 (ns)

Comentário: Este é um tema antigo. Embora seja hábito constar das nossas recomendações aos doentes, sobretudo por quem segue doentes com IC, a evidência a justificar esta recomendação tem sido consistentemente fraca. A restrição hídrica de rotina não melhorou a qualidade de vida em doentes com IC crónica estável com sintomas ligeiros a moderados. A diferença entre os braços foi de ~300 mL de ingestão de água (1.5 vs 1.8 litros). A diferença no KCCQ não foi estatisticamente significativa nem clinicamente relevante (ficou abaixo do limiar de 5 pontos). Observou-se aumento claro da sede e não houve diferenças em eventos adversos clínicos. Como destacado em comentário editorial, esta estratégia deverá manter-se reservada a doentes com IC avançada e hiponatrémia, em linha com as recomendações (fracas) actuais - IIb na ACC/AHA.

Conclusão: Aconselhar restrição hídrica <1,5 L/dia não melhorou a qualidade de vida nem reduziu eventos clínicos relevantes em doentes com IC crónica ligeira a moderada — e aumentou o desconforto por sede.


Geral, Geriatria & Paliativos

n = 823, sem ocultação, ensaio pragmático, multicêntrico, 51 centros de CP no Reino Unido, 2019–2023

P – Adultos com rótulo de alergia ou sensibilidade à penicilina no processo clínico + prescrição antibiótica < 2 anos

I – Via de avaliação de alergia à penicilina em cuidados primários, com teste cutâneo e/ou oral de provocação

C – Cuidados clínicos habituais, sem reavaliação formal da alergia planeada

O 1º » MAIS doentes com =>1 prescrição de penicilina de 1.ª linha aos 12M: 18  vs 3 %, RRA 14% / NNT 7, RRa 5,3 (3–9)

O 2º » Iguais/menos EAs em 12M - 7  vs 8 %

» Sem mortes atribuíveis à intervenção.

Comentário: O ensaio ALABAMA mostrou que a implementação de uma via estruturada de avaliação de alergia à penicilina nos cuidados primários — incluindo testes cutâneos e de de provocação oral — permite reclassificar com segurança a maioria dos doentes e aumentar substancialmente a prescrição de penicilinas de 1.ª linha, sem aumento aparente de EA graves. Os dados reforçam o papel desta estratégia na optimização do uso de antibióticos e combate à resistência antimicrobiana, com impacto potencial em larga escala nos cuidados primários. A alteração do desfecho primário a meio do estudo (do mais dirigido ao doente falência terapêutica para o mais dirigido à doença prescrição de penicilina, por dificuldade em recrutar doentes durante a pandemia) poderá introduzir algum viés, mas a magnitude do efeito para o novo desfecho foi larga. Em última instância, é mais uma peça para a evidência que se tem vindo a formar de que a alergia à penicilina é muito mais rara e benigna que se pensava.

Conclusão: Uma via de avaliação de alergia à penicilina em CP aumentou com segurança o uso de penicilina em 1.ªL


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n = 226 (300 planeados), duplamente oculto, multicêntrico, 27 centros em França, 2017–2024

P – Doentes imunocomprometidos s/ VIH + Pneumonia P. jirovecii  + Insuficiência resp. aguda (hipoxémia ligeira a grave)

I – Corticoterapia - MetilPDN EV por 21 dias (30 mg 2x/dia dias 1–5, 30 mg/dia dias 6–10, 20 mg/dia até ao 21.º dia)

C – Placebo - Soro fisiológico EV por 21d

ambos iniciados até 7 dias após início do tratamento anti-Pneumocystis

O 1º » Igual/menor? mortalidade por todas as causas aos 28 dias 21,5 vs 32,4 %, RRA 11% (-0,9 a 22,5) / NNT 9; p=0,069

O 2º » Iguais/mais? infecções secundárias - 34  vs 23 %, ARA 11 % / NNH 9

» Igual/mais? necessidades de insulina - 31 vs 23 %, ARA 8 % / NNH 13

Comentário: Embora seja relativamente consensual que a corticoterapia seja útil na pneumocistose em doentes com VIH, a evidência não tem sido clara em doentes sem VIH (se não me engano, até havia uma ou mais meta-análises que não encontravam benefício nestes últimos). Neste ensaio, apesar de uma redução absoluta de 10,9 % na mortalidade com corticoterapia, esta não atingiu significância estatística (p = 0,069). O ensaio foi oculto e multicêntrico, mas a amostra foi limitada (ainda assim, nada mau para um ensaio apenas em França e com uma população relativamente infrequente) e a potência do ensaio poderá ter sido limitada, tendo sido recrutados menos do que os 300 inicialmente planeados. Por outro lado, a ausência de diferença significativa em infecções secundárias ou hiperglicemia também pode ter acontecido pelo mesmo motivo (baixa potência) - no entanto, a mortalidade é um desfecho bastante mais relevante. Portanto, sinais de benefício clínico relevante permanecem — o intervalo de confiança da diferença de mortalidade inclui uma margem superior até +22 % de redução absoluta de mortalidade !! — o que justifica absolutamente um grande e multicêntrico ensaio com poder suficiente.

Conclusão: Em imunocomprometidos VIH-neg c/ pneumocistose e ins. resp, corticoterapia pode reduzir mortalidade?


ESTUDOS OBSERVACIONAIS

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REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)

Hematologia

n = 1930 (10 ECA + 1 coorte prospectiva), meta-análise, internacional, até Julho 2023

Avaliou-se se a toma concomitante de vitamina C com ferro oral em doentes com anemia ferropénica se associava a melhor resposta hematológica comparando com ferro isolado. A adição de vitamina C levou a um aumento estatisticamente significativo, mas pequeníssimo, nos níveis de hemoglobina (diferença média: 0,14 g/dL; IC 95%, 0,08–0,20) e ferritina (3,23 µg/L; IC 95%, 1,63–4,84). A percentagem de reticulócitos e os EAs foram semelhantes.

Conclusão: A suplementação com vitamina C não demonstrou benefícios clinicamente relevantes quando adicionada ao ferro oral. Os dados não apoiam a sua utilização rotineira no tratamento da anemia ferropénica.

PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS

Cardiovascular

n = 43.098, não oculto, coorte retrospectiva, EUA, 2003–2023

Estudo observacional com dados de monitorização remota de CDI transvenosos (single, dual e biventricular) de vários fabricantes, avaliando tempo até esgotamento da bateria e necessidade de substituição do gerador. A presença de cada lead adicional associou-se a uma redução de 2–3 anos na longevidade da bateria. Entre os dispositivos que atingiram o intervalo de substituição (RI), os modelos da Boston Scientific apresentaram maior longevidade (diferença de 2–3 anos face aos concorrentes), independentemente do tipo (unicâmara, bicâmara ou biventricular). Parâmetros de programação (largura de pulso e output) também influenciaram fortemente a durabilidade. A longevidade observada coincidiu com a estimada pelos fabricantes. Contudo, dispositivos implantados nos últimos 2 anos mostraram melhorias significativas na duração (mais 2–4 anos), com diferença entre fabricantes menos marcadas.

Conclusão: A longevidade da bateria dos CDI varia sobretudo com o tipo de dispositivo (n.º de leads), fabricante e parâmetros programados. Os modelos mais recentes apresentam melhorias substanciais na durabilidade.


Endocrinologia

n = 44 030, estudo transversal e longitudinal, EUA, 1999–2018

Analisou-se a definição de obesidade da EASO (que integra medidas além do IMC e presença de comorbilidades) versus definição tradicional por categorias de IMC, usando dados do NHANES (EUA) de mortalidade. A nova definição reclassificou 18,8% dos adultos previamente considerados apenas com excesso de peso (IMC 25–29,9) como pessoas com obesidade (PCO). Estes “novos” PCO tinham risco de mortalidade semelhante ao grupo de IMC normal (HR 0,98), mas risco 50% superior quando comparados com indivíduos saudáveis sem comorbilidades (HR 1,50), embora inferior ao de pessoas com IMC normal e comorbilidades (HR 1,74). As comorbilidades mais prevalentes neste grupo foram hipertensão (79,9%), artrose (33,2%), diabetes (15,6%) e doença cardiovascular (10,5%).

Conclusão: A nova abordagem da EASO identifica um subgrupo de pessoas com risco acrescido nos sem comorbilidades, mas sem diferença se comorbilidades e incerto se clinicamente relevante.


Gastroenterologia & Hepatologia

n = 10 660, coorte retrospectivo, propensity-score, EUA (TriNetX), 2013–2024

Em adultos com cirrose medicados com furosemida e espironolactona, avaliou-se se o uso concomitante de inibidores da SGLT-2 estava associado a menor risco de eventos hepáticos graves. Após emparelhamento por propensão (1:1), o grupo com iSGLT-2 teve menor risco do desfecho primário composto (ascite, varizes, hiponatrémia ou morte por qualquer causa), com HR 0,68 (IC 95%, 0,66–0,71; p < 0,001). Também houve redução significativa no risco de:

  • Síndrome hepatorrenal: HR 0,47

  • Peritonite bacteriana espontânea: HR 0,55

  • Necessidade de paracentese: HR 0,54

  • Hemorragia varicosa: HR 0,79

  • Internamento por qualquer causa: HR 0,67

Conclusão: Em doentes com cirrose sob terapêutica diurética, o uso de iSGLT-2 associou-se a menor incidência de complicações hepáticas graves, sugerindo um potencial papel terapêutico nesta população - confirmar com ECA!


n=11.300, coorte retrospectiva, base de dados nacional, EUA

Estudo com óbvias limitações relacionadas com a natureza observacional, mas serve para alertar que o antibiótico profiláctico que andamos a dar no pós-PBE provavelmente no mínimo não faz nada e no máximo piora as coisas.


Meta-investigação & MBE

n = 263 fármacos (278 indicações), não ocultado, estudo transversal, EUA / UE / Suíça, 2012–2023

Comparou-se a população incluída nos ensaios clínicos com a população aprovada no RCM dos fármacos aprovados pelas FDA, EMA e Swissmedic em simultâneo, segundo cinco critérios: idade, subtipo de doença, gravidade, estado funcional e tratamentos prévios. Verificou-se que, na maioria dos casos, o RCM abrangeu populações mais amplas do que as estudadas nos ensaios — sobretudo nos EUA. A maior discrepância deu-se no critério de fitness do doente (em >98% das diferenças - quase sempre), seguido da gravidade da doença (diferenças em 40–51% das aprovações).

Conclusão: As populações aprovadas pelas agências reguladoras são frequentemente mais abrangentes do que as estudadas nos ensaios, com potenciais implicações de segurança e eficácia.



OPINIÃO

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PERSPECTIVA

Cardiovascular

Este artigo de perspectiva do BMJ expande a investigação iniciada em Dezembro de 2023 sobre problemas de integridade nos estudos que sustentaram a aprovação e o uso continuado do ticagrelor ("Brilinta/Brilique"), um antiagregante plaquetário inibidor P2Y12 produzida pela AstraZeneca e agora prestes a perder a patente. Após terem sido revelado inconsistências no ensaio PLATO (n=18.000), que comentámos aqui, este artigo centra-se nos estudos farmacodinâmicos ONSET/OFFSET e RESPOND, publicados na Circulation, que alegadamente mostravam maior e mais rápida inibição plaquetária com ticagrelor face ao clopidogrel.

Principais alegações:

  • Os resultados primários destes dois estudos foram incorrectamente reportados na Circulation.

  • Mais de 60 medições laboratoriais não constam dos ficheiros enviados à FDA.

  • Supostos autores negam ter participado e investigadores activos não foram incluídos na autoria.

  • Foram colhidos volumes de sangue invulgarmente elevados (até 600 mL) sem compensação financeira

  • Muitos centros tiveram dificuldade em recrutar

  • Vários autores não tinham experiência prévia publicada em estudos de agregação plaquetária.

  • Incerteza sobre o treino técnico fornecido aos centros, p.e., agregometria óptica é um teste sensível a erros

Críticas de especialistas (incluindo Victor Serebruany) sugerem que os dados foram "bons demais para ser verdade" e que, se as fragilidades tivessem sido conhecidas, o uso de ticagrelor poderia ter sido evitado.

Conclusão: As alegações de eficácia baseadas em farmacodinâmica que sustentaram a aprovação do ticagrelor e o seu uso durante mais de uma década podem ter assentado em dados imprecisos, mal reportados ou mesmo duvidosos. O BMJ sugere que é necessária uma revisão independente da evidência.

Para a análise mais extensa leiam o John Mandrola no TWIC.


Nefrologia

Síntese baseada em revisão recente da série “Things We Do for No Reason” (J Hosp Med 2025; epub) e múltiplos estudos observacionais controlados por propensity score (n > milhões)

O contraste iodado intravenoso raramente causa LR), mesmo em doentes com DRC estável. Evidência acumulada :

  • Nenhuma diferença significativa na incidência de LRA entre doentes expostos a contraste iodado vs controlo não exposto, incluindo em grandes bases de dados (e.g. Radiology 2014; 273:714, Ann Emerg Med 2018; 71:44)

  • Em doentes com DRC estadio 3, não houve aumento da necessidade de diálise aos 6 meses após contraste

  • Dados robustos para DRC estadio 4–5 escassos, mas os estudos existentes não mostraram toxicidade evidente

  • Consenso ACR/NKF 2020: risco de LRA por contraste é negligenciável com eGFR ≥30 mL/min/1,73m²

Implicações práticas:

  • Em doentes com eGFR ≥30, não há razão para evitar contraste IV se clinicamente indicado

  • Em eGFR <30, ponderar risco-benefício; considerar-se hidratação prévia (soro fisiológico) caso haja risco teórico

  • A prática institucional ainda varia, muitas vezes baseada em percepções ultrapassadas

Conclusão: Evitar contraste iodado por rotina em DRC ligeira a moderada não é sustentado pela evidência. A decisão deve ser centrada no doente e no benefício clínico esperado da imagiologia contrastada.



FOAMed

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Diagnóstico e Raciocínio Clínico

A sensibilidade e especificidade globais foram de 76% (IC 95%, 70 a 79%) e de 87% (IC 95%, 84 a 89%), respetivamente, com uma AUC de 0.89 (IC 95% 0,85 a 0,92).


Doente crítico/urgente

Na suspeita de fractura do escafóide oculta (talvez nem seja fractura...), ligadura parece melhor que gesso.


Geral, Geriatria & Paliativos

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