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Setembro de 2025 - #3 Extensão necessária?

No substack: esFOAMeados No patreon: esFOAMeados Em podcast: Hipótese Nula


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TABELA DE CONTEÚDOS


SINOPSE


🍰 Nata

- TEV --> No TEV provocado com FR, extender AC c/ apixabano 2,5mg bid a 12M reduziu recorrência (HI-PRO, NEJM)

- DCEI --> Adesivo iodado reduziu a contaminação e até infecções de DCEI (JAMA Cardiology)

- TAVI --> Anestesia local não-inferior a geral? Talvez, mas falta ocultação e validação (DOUBLE CHOICE, Circulation)

- Psoríase mod/grave --> Icotrokinra (biológico PO) foi eficaz, seguro e comparável (ICONIC-ADVANCE, Lancet)

- Sedação préOP --> Decúbito lateral melhorou desfechos no pós-sedação (BMJ)

- DRC5 e prurido --> Anrikefon (agonista opióide selectivo k periférico) reduziu...mas e vs comparador activo? (BMJ)

- Idosos --> Programa nos CSP reduziu quedas em idosos rurais chineses...mas autorreportadas (FAMILY, JAMA)

- C. diff --> Transplante "sintético" inferior a transplante fecal com microorganismos vivos (Lancet G&H)


🧐 Observações

- Revisões sistemáticas: POCUS: Melhor que Rx no pneumotórax no SU ; Tele-ecografia ainda com limitações (USJ)

- Primários: FA de baixo risco e limiar de iniciar NOAC (Circulation) | Apoio à decisão digital no LES foi eficaz na decisão colaborativa (Lancet Rheuma) | BB na HTA (erradamente) em 1ª-linha (JAMA NO) |



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ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

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Cardiovascular

n = 418; ocultação simples (equipa microbiologia); 1 centro no Canadá (hospital universitário); 2020-24

P — Doentes com re-intervenção em dispositivo cardíaco electrónico implantável (DCEI) já implantado

I — DCEI com adesivo impregnado em iodo colocado antes da incisão.

C — Cirurgia padrão sem adesivo iodado.

O 1º » MENOR positividade do esfregaço da bolsa após encerramento – 10,1% vs 20,5%; RRA 10,4% / NNT 10; RRR 50%; P = 0,005

 2º » Menos infecção de DCEI a 1 ano – 0% vs 1,9% (ARR 1,9% / NNT 53); P = 0,02

         » Menor? infecção por esfregaço positivo 3,4% vs 0,6% (ns)

Comentário: Gosto deste ECA apesar de algumas limitações pois, com um único gesto simples e barato (adesivo iodado), diminuiu-se a contaminação intra-operatória dos DCEI para metade e das infecções de 2% para 0%. Limitações foram o desfecho mais orientado ao doente ser secundário – infecções de DCEI – poucos eventos, ocultação não total e o estudo ser em apenas 1 centro de 1 país. Replicação multicêntrica será bem-vinda. Mesmo assim, dado o custo elevado (e não falo só de dólares) de uma infecção de DCEI, o balanço risco-benefício parece favorável para começarmos a implementar esta intervenção na nossa prática (se é que não está já), de preferência com estudos de validação.

Conclusão: Adesivos iodados reduziram contaminação e infecções em reimplantes de DCEI.


n = 752; aberto, não-inferior; 10 centros universitários na Alemanha, Público; 2022-25

P — Doentes ≥65 anos com estenose aórtica sintomática submetidos a TAVI transfemoral.

I — Abordagem minimalista: anestesia local isolada.

C — Padrão: anestesia geral + local.

O 1º » NÃO-INFERIOR/Superior? morte, complicações vasculares/hemorragia, infecção e evento neurológico aos 30d — 22,9% vs 25,8%; RRA 2,9%; IC95 unilateral –2,4%; NI confirmada (p NI = 0,003).

    2º » Maior ansiedade autoreportada

         » 21% crossover para o grupo de sedação.

         » Semelhante sucesso técnico, delirium, KCCQ, função valvular. 

         » Semelhante segurança global comparável; sem excessos de eventos graves.

Comentário: Ensaiados 377 doentes em colocação de TAVI com anestesia “apenas local” vs 375 “sedados”. A estratégia minimalista mostrou-se não-inferior para eventos “duros” e poupou fármacos/anestesia, mas 1 em cada 5 necessitou de conversão para o grupo de anestesia geral, sobretudo por dor. A maior ansiedade autoreportada também sinaliza que esta estratégia exige selecção rigorosa, monitorização estreita e equipa experiente (embora gostaria de saber se isto se manteria assim se fosse com ocultação). A execução multicêntrica fortalece a evidência, embora limitada a contexto cultural alemão e sem comparação com GA.

Conclusão: Na Alemanha, TAVI sob anestesia local isolada reduziu recursos sem piorar desfechos após 30 dias.

Cirurgia, Ortopedia & MFR

 

Doente crítico/urgente

n = 2,159; aberto; aglomerados de 14 hospitais terciários na China, Público; 2024

P — Adultos (≥18 anos) sob sedação no pós-anestésico.

I — Colocação em posição lateral logo após sedação.

C — Posição supina convencional a 0°.

O 1º » MENOS hipoxemia (SpO₂≤90%) nos 10 min — 5,4% vs 15,0%; RRA 9,2% / NNT 11; RR 0,36 (0,27-0,49); p<0,001    2º » Menos intervenções de via aérea — 6,3% vs 13,8%; RRA 7,5% / NNT 13; RR 0,46 (0,34-0,61); p<0,001     

   » Menos hipoxemia grave (SpO₂≤85%) — 0,7% vs 4,8%; RRA 4,1% / NNT 24; RR 0,16 (0,07-0,33); p<0,001    

   » Menor tempo de recobro — 38,2 min vs 40,5 min; Δ -2,2 min; p=0,002

        » Semelhante segurança global semelhante – menos taquicardia com lateralização.

Comentário: Ensaio multicêntrico grande (mas confinado à China) mostrou que bastou lateralizar o doente de para reduzir a hipoxemia inicial na pós-sedação a um terço e reduzir intervenções respiratórias. A intervenção é simples, custo não elevadíssimo (não digo zero porque pode mobilizar mais segundos de recursos humanos e camas específicas para este efeito) e sem penalização hemodinâmica — pelo que boa para contextos com poucos recursos. Limitações: grupo controlo em supino 0° e não com cabeceira elevada pode amplificar benefício; amostra de adultos global, faltam dados em doentes, idosos frágeis e obesos e desfecho primário não orientado ao doente (os 2º geram hipóteses que têm de ser confirmadas). Mesmo assim, diria que temos evidência pelo menos satisfatória que a posição conta para a oxigenação.

Conclusão: Adultos sedados em decúbito lateral reduziu hipoxemia e manobras de resgate numa população chinesa.


Gastroenterologia & Hepatologia

n = 138 (409 rastreados), duplamente-oculto; 4 centros no Canadá, Público/Universitário, 2019-23

P — Adultos com infeção recorrente por C. difficile (≥2 recidivas)

I — 15 cápsulas de LSFF (filtrado fecal liofilizado estéril, sem micróbios vivos)

C — 15 cápsulas de LFMT (transplante fecal liofilizado com micróbios vivos).

O 1º » NÃO NÃO-INFERIOR recidiva às 8S - 65% vs 88%; dif. –23% (IC95% unilateral -33,8% → ∞); margem NI -10%   

2º » Não não-inferior às 24S LFMT - 86% vs 62%

       » Semelhantes EA: 1 morte não relacionada (LFMT) e 1 internamento possivelmente relacionado (LSFF)

Comentário: Quando a pergunta é “será que bastam metabolitos/vírus livre de bactérias?” para prevenir cdiff, a resposta por enquanto é “não”. Sem micróbios vivos, a eficácia caiu ≈23%, falhando largamente a margem de não-inferioridade e obrigando a suspensão precoce do ensaio. Isto reforça o dogma: na recidiva de C. difficile, a repovoação microbiana parece ser a peça-chave. Tentativas de “esterilizar” FMT para simplificar a regulamentação e a intervenção podem hipotecar eficácia. Admito que o tamanho amostral possa ter sido pequeno, mas tenho muitas dúvidas se teria sido diferente com um tamanho amostral maior com este sinal importante para muito menor eficácia.

Conclusão: LSFF oral (sintético) até prova em contrário não substitui o FMT tradicional (fezes naturais) - a presença de bactérias vivas parece continuar indispensável para prevenir recidiva de C. diff.


Geral, Geriatria & Paliativos

n = 2,610; aberto; aglomerados de 128 vilas rurais em 4 províncias na China, Público/Universitário; 2023-25

P — Idosos ≥60 anos, residentes rurais, com risco de queda.

I — Programa integrado nas UCSP rurais: educação comunitária + exercícios de equilíbrio/funcionais liderados por clínicos locais.

C — Cuidados habituais com educação de saúde passiva (sem exercício estruturado).

O 1º » MENOS quedas autorrelatadas aos 12M – 29,7% vs 38,3%, RRA 8,6% / NNT 12; OR 0,67 (IC95 0,48-0,91); p = 0,01

    2º » Quase todos superiores (% quedas, mobilidade funcional, lesão por queda, QdV) excepto Timed Up-&-Go (ns)

Comentário: Ensaio cluster (em aglomerados) robusto mostrou que integrar prevenção de quedas nos cuidados primários rurais reduziu 1 em cada 12 quedas autorrelatadas. O FAMILY pode ser muito importante porque, através de recursos locais e tarefas relativamente simples, conseguiu prevenir substancialmente as quedas autorrelatadas. No entanto, o autorrelato de quedas com ausência de ocultação pode inflacionar o benefício, e um exemplo desse potencial viés de desempenho é o facto de que o teste “timed up-&-go”, um teste mais objectivo de mobilidade, não se alterou (por outro lado, houve menos lesão por queda, o que pode ser mais objectivo, dependendo da forma como foi medido). Pode ser generalizável para outros contextos de baixos recursos, mas falta de validação (idealmente com ocultação e desfechos não autorreportados) e estudo de custo-efectividade formal.

Conclusão: Programa de educação e exercício em CSP rurais chineses reduziu quedas autorreportadas em idosos.


Hematologia

n = 600; duplamente-oculto, placebo-controlado; centro único (Brigham & Women’s, Boston); Bristol-Myers Squibb / Pfizer Alliance; 2019-24

P — Adultos com TEV provocada (cirurgia, trauma, imobilidade, doença aguda) que completaram ≥3 meses de anticoagulação e tinham ≥1 factor de risco crónico (obesidade, inflamação crónica, D. Vascular, DPOC).

I — Apixabano 2,5 mg PO bid durante 12 meses.

C — Placebo.

O 1º » MENOR Recorrência sintomática de TEV aos 12 meses — 1,3% vs 10,0%; RRA 8,7 % / NNT 12; HR 0,13 (IC95 % 0,04-0,36); p<0,001

2º » Igual Hemorragia major — 0,3% vs 0% (ns)

  » Igual/Maior? Hemorragia clinicamente relevante não major — 4,8% vs 1,7%; HR 2,68 (IC95 % 0,96-7,43); p=0,06  » Semelhante Mortalidade total (1 vs 3; nenhuma CV/hemorrágica)

  » Semelhantes EA não hemorrágicos— 2% em ambos os grupos

Comentário: O apixabano em dose reduzida reduziu em >85% (relativo) e 8,7% absoluto a recorrência de TEV em doentes com TEV “provocado”, mas com pelo menos um factor de risco residual, sem aumento relevante de hemorragia major. O estudo, porém, é monocêntrico e metade dos doentes foi recrutada por um único clínico (eram apenas dois a recrutar). A taxa de recorrência no placebo (10%) supera os ~6% esperados, o que aconselha replicação multicêntrica e definição de perfis de maior benefício/risco. No entanto, dá que pensar que a taxa de recorrência superior pode ter sido por risco da população maior do que esperamos.

Conclusão: No TEV provocado com factores de risco persistentes, prolongar anticoagulação em baixa dose por 12 meses reduziu drasticamente a recorrência.


Imuno-mediadas

n = 774 & 731 doentes; fase 3 duplamente-oculto; 149 + 114 centros; 2024

P — Adultos com psoríase em placas moderada-grave (BSA ≤10%, PASI ≤12, IGA ≤3) I — Icotrokinra 200 mg PO qd C — Placebo PO / deucravacitinib 6 mg PO qd

O 1º » MELHOR IGA 0-1 (≥2 graus) vs. Placebo às 16-24 semanas - 68-70% vs 9-11% (p<0,0001)    » MELHOR PASI 90 vs. Placebo às 16-24 semanas - 55-57% vs 1-4% (p<0,0001)     2º » Melhor que deucravacitinib em “clareza cutânea” (sem. 16-24)    » Semelhantes EA globais ao placebo e menores que deucravacitinib     (IVAS/ nasofaringite = 4-6%)

Comentário: A icotrokinra, inibidor oral selectivo do recetor IL-23, foi pelo menos equiparável ao melhor biológico oral aprovado – deucravatinib, inibidor TYK2 - com melhor segurança e muito próxima do placebo. Segundo o que li (mas sem certeza e deste artigo só leio o resumo), foram apresentadas até análises secundárias em congresso com superioridade em relação a este inibidor (se foi o caso, porque não foi logo reportado aqui? Hmm…). É de certa forma preliminar pois falta certeza dessa comparação, seguimento a longo-prazo (>52 semanas), dados de custo/efectividade e até comparação com apremilaste (iPDE4, outra opção oral), para sabermos se “vencará” a dupla até agora usada apremilaste e deucravacitinib antes dos biológicos injectáveis. No entanto, a maior segurança face ao deucravacitinib e comparável a placebo com infecções respiratórias superiores em baixa prevalência como principais EAs deixam-me um pouco mais confortáveis quanto ao futuro deste fármaco.

Conclusão: A icotrokinra PO qd foi eficaz e seguro na psoríase moderada-grave. Aguarda-se seguimento e validação, mas promissor.


Nefrologia

Efficacy and safety of anrikefon in patients with pruritus undergoing haemodialysis | BMJ

n = 652 rastreados (545 randomizados); duplamente-oculto; 50 centros na China, Público; 2022-24

P — Adultos em hemodiálise com prurido moderado-grave (escala WI-NRS ≥ 5).

I — Anrikefon IV 0,3 µg/kg, 3×/semana, 12 semanas (+ extensão aberta 40 semanas).

C — Placebo.

O 1º » Mais com ≥4 pt ↓ WI-NRS (escala de prurido) na semana 12 — 37% vs 15%; RRA 22 pp / NNT 5; p<0,001

     2º » Mais com ≥3 pt ↓ WI-NRS — 51% vs 24%; RRA 27 pp / NNT 4; p<0,001

          » Melhor QdV s/ prurido (5-D itch −5,3 vs −3,1; Skindex-10 −15,2 vs −9,3; p<0,001)

         » Benefício mantido até semana 40 (extensão aberta) 

        » Semelhante segurança – mais tontura ligeira-moderada mas sem EA graves

Comentário: O anrikefon é um novo fármaco, agonista opióide selectivo dos receptores κ periféricos, demonstrou redução clinicamente relevante do prurido e melhoria de qualidade de vida em doentes em hemodiálise, com efeito sustentado após 1 ano. Amostra grande e ensaio bem conduzido reforçam validade, mas todos os centros são chineses e falta comparação directa com difelikefalina, fármaco igual ou semelhante já aprovado para o mesmo efeito. Outras populações carecem de estudo e farmacovigilância e seguimento cruciais para se estudar bem um fármaco opióide.

Conclusão: O novo anrikefon (agonista κ) reduziu intensidade do prurido e melhorou QdV na DRC5d.


ESTUDOS OBSERVACIONAIS

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REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)

Hematologia

n = 19 estudos, 4,207 amostras, revisão sistemática + meta-análise, 2000-2024

Introdução: A púrpura trombocitopénica trombótica é uma das “can’t miss” emergências hematológicas; o diagnóstico confirma-se por actividade ADAMTS13<10 IU/dL, mas os ensaios de referência demoram dias, muitas levando a terapêuticas empíricas que poderiam ser desnecessárias como a plasmaferese e caplacizumab.

Métodos: Compararam-se três ensaios rápidos (<1 h) de actividade ADAMTS13 (HemosIL AcuStar CLIA, Technofluor FRET, Technoscreen) com os métodos padrão (ELISA/FRETS-VWF73).

Resultados:

  • Excelente acuidade diagnóstica em todos, com vantagem para o AcuStar

  • HemosIL AcuStar — sensibilidade 98%, especificidade 99%, VPN 99%, VPP 96%; discrepância 4%.

  • Technofluor FRET — sensibilidade 93%, especificidade 98%, VPN 96%; discrepância 4%.

  • Technoscreen — sensibilidade 98%, especificidade 87%, VPP apenas 71%; discrepância 11%.

Comentário: A sensibilidade quase perfeita e o TAT <1 h do HemosIL AcuStar permitem excluir TTP rapidamente, potencialmente evitando plasmaferese, corticóides e caplacizumab em falsos-negativos — menos reacções transfusionais, trombose do acesso e custos milionários do biológico. A automatização e o preço não gigante facilitariam a adopção até em hospitais periféricos, ajudando até no diferencial para outras microangiopatias urgentes (HUS, SHUa, malignidades).

Conclusão: Ensaios rápidos de ADAMTS13, sobretudo o HemosIL AcuStar, aliam rapidez e precisão, com VPN 99% para este último.


POCUS

n = 18 estudos (11 países; recém-nascidos, crianças, adultos, grávidas), revisão sistemática, 2023-2025Introdução: Tele-ecografia promete expandir o acesso e cortar custos, mas persistem dúvidas sobre qualidade de imagem, perícia do operador e segurança de dados.

Métodos: Busca exaustiva em bases bibliográficas e agências regulatórias canadianas; inclusão de estudos que compararam tele-ecografia supervisionado em tempo real com eco presencial, medindo exactidão diagnóstica, qualidade de serviço e perspectivas de utilizadores.

Resultados: Concordância diagnóstica tele vs presencial variou 43%-100%; sensibilidade 43%-97%, especificidade 77%-100%. Qualidade de imagem oscilou de suficiente a excelente, embora até 36,8% dos exames fossem inadequados em séries com infra-estrutura limitada. Mais de metade dos doentes considerou o modelo aceitável; todos os profissionais relataram utilidade e satisfação. Poupança de custos surgiu sobretudo por evitar deslocações.

Comentário: A literatura não demonstra inferioridade consistente da tele-ecografia relativamente ao modelo tradicional — a precisão é, em média, comparável. No entanto, a heterogeneidade metodológica e menor qualidade em ambientes mais subdesenvolvidos sinalizam a importância de estruturar treino, protocolos e distância de utilização antes da disseminação massiva.


n = 15 estudos, 3.171 doentes, revisão sistemática + meta-análise, 11 países, 2000-2024

Introdução: Pneumotórax é um diagnóstico‐chave na urgência. Será que a ecografia torácica à cabeceira executada por profissionais de emergência rivaliza (ou supera) a radiografia padrão?

Métodos: Pesquisa em PubMed, Cochrane, ScienceDirect, Web of Science e ClinicalTrials.gov. Incluíram-se estudos que compararam ecografia torácica feita por profissionais de emergência com radiografia, tendo a TC como padrão-ouro. Meta-análise de efeitos aleatórios; meta-regressão para explorar variáveis técnicas e demográficas.

Resultados:

  • Sensibilidade - 79.4% (68.2-90.7) vs 48.1% (36.8-59.4)

  • Valor preditivo negativo - 94.3% (91.2-97.3) vs 87.9% (84.1-91.6)

  • Especificidade e VPP sem diferença estatística - 99.5% (99-100) vs 99.8% (99.4-100)

  • Meta-regressão - tipo de sonda ou perfil dos doentes não alteraram resultados.

Comentário: A ecografia à cabeceira torácica realizada por profissionais de urgência mostra-se claramente mais sensível que a radiografia simples, sem perder especificidade — ganho decisivo quando falhar o diagnóstico significa potencial colapso respiratório. O dado de 94% de VPN reforça confiança para excluir pneumotórax à cabeceira, poupando radiação e tempo. Falta padronizar formação e garantir qualidade de imagem, mas o rumo é claro: o estetoscópio do século XXI é um uma sonda de ecografia. Agora fica a questão: tendo em conta que fazemos radiografia torácica a todos os doentes com suspeita de pneumotórax e TC nem sempre, estaremos a subdiagnosticar? Se sim, seria esse subdiagnóstico clinicamente relevante (os pneumotóraxes subdiagnosticados até podem não ser clinicamente relevantes)? Questões pertinentes ainda sem resposta.

Conclusão: Ecografia torácica à cabeceira supera a radiografia na detecção de pneumotórax.


PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS

Cardiovascular

n = simulação de 10.000 doentes-ano, modelo de Markov c/ literatura de ECAs e estudos observacionais, Finlândia, horizonte 20 anos

Introdução: O benefício dos NOAC é inquestionável na FA de elevado risco trombótico, mas falta consenso sobre quão baixo pode ser o risco anual de AVC isquémico para dispensar iniciar anticoagulação.

Métodos: Criou-se um modelo de decisão de Markov que, mensalmente, fazia os doentes transitar entre estados de saúde (bem, pós-AVC, pós-hemorragia, morte). O algoritmo incorporou taxas de AVC, hemorragia maior e mortalidade sem anticoagulação, assim como as reduções relativas conferidas pelos DOAC, tudo ponderado por utilidades de qualidade de vida. Simulou-se um doente-tipo de 70 anos ao longo de 20 anos, variando o risco anual de AVC não tratado de 0,1% a 6%.

Resultados: O ponto de inflexão foi um risco anual de AVC de 0,65%. Isto corresponde a uma pontuação do CHADS-VASCs ligeiramente acima de 1 (1 = 0.6%/1A). Acima de 0,65%, o DOAC trouxe aumente de QALY; abaixo do limiar, perdeu-os ligeiramente. Exemplo de ganho médio em 20 anos para valores acima de 0,65%:

  • 1%/ano → +0,13 QALY (≈1,6 meses)

  • 2%/ano → +0,53 QALY (≈6,4 meses)

  • 3%/ano → +1,00 QALY (≈12 meses)

Por outro lado, se 0,4%/ano, DOAC tirou 0,01 QALY (≈3 dias). Análises probabilísticas fixaram o limiar de benefício entre 0,5% e 0,9%/ano; acima de 2,6%/ano, DOAC foi benéfico em >90% das análises.

Comentário: Este modelo desenvolve a eterna pergunta “quando começar anticoagulação?” e chega ao limiar de risco de AVC: ~0,65%/ano de risco não tratado. A utilidade clínica está em traduzir números para partilha de decisão: o “minimizador” pode rejeitar DOAC se o risco for 1%/ano (ganho de apenas um mês e meio em 20 anos), enquanto o “maximizador” aceitará tratamento logo acima do limiar de 0,65% (quando o ganho de QALY será apenas uns dias se muito próximo desse limiar). E claro, fora este já por si difícil dilema, continua o enigma: como medir risco em FA subclínica, pós-ablação ou após perda de 25 kg com GLP-1 (tudo situações de melhor prognóstico)? Não sei.

Conclusão: Análise de modelo interessante que chega ao limiar de risco de AVC de 0,65% para iniciar DOAC em FA, mas com nuances.


n = 3,138,304 veteranos com hipertensão, estudo transversal, Veterans Health Administration (EUA), 2000-2022

Introdução: Desde 2014, as directrizes norte-americanas desaconselham β-bloqueadores como terapia inicial da hipertensão na ausência de “indicações convincentes” (insuficiência cardíaca, coronariopatia, arritmia, etc.) devido à menor protecção destes contra AVC e mortalidade em comparação com as 3 classes de 1ª-linha (diuréticos, bloqueadores dos canais de cálcio e iECAs/ARAs).

Métodos: Dados administrativos identificaram veteranos com hipertensão e primeira prescrição anti-hipertensora. Excluíram-se doentes com as referidas “indicações convincentes#. Modelos de regressão de Poisson ajustados avaliaram factores associados ao início de β-bloqueador.

Resultados: Entre 774,821 novos iniciadores de β-bloqueador, 684,045 (88%) não tinham “indicação convincente”, com a proporção a cair de 92% em 2000-2005 para 82% em 2018-2022. Metoprolol e carvedilol substituíram atenolol ao longo do tempo. Preditores de maior prescrição incluíram idade avançada (PR 1.05), sexo feminino (PR 1.11), brancos não-hispânicos (referência; negros PR 0.74; hispânicos PR 0.75) e fragilidade (PR 1.28).

Comentário: Trago este estudo pois, apesar de ser nos EUA, a minha percepção subjectiva diz-me que poderia muito bem ter sido por cá. Apesar de uma década de recomendações contrárias, o início de β-bloqueadores sem indicação clara continua comum, variando por idade, sexo, raça e estado funcional. A lacuna entre evidência e prática sugere necessidade urgente de estratégias de desimplementação e "educação prescritiva" E isto sem falar das outras “indicações convincentes” (muitas delas não são bem indicações IA)…mas isso fica para outro dia.

Conclusão: O uso de β-bloqueadores em 1ª-linha na HTA permanece muito elevado.


Imuno-mediadas

n = 1.895, estudo prospectivo, 15 clínicas de reumatologia (EUA), 2019-2023

Introdução: Faltam dados sobre como envolver doentes com lúpus em decisões terapêuticas. Avaliou-se o impacto de um “apoio à decisão” (ou “decision aid”) digital—versões alargada e lite—em parâmetros de decisão partilhada.

Métodos: Adultos ≥18 anos com LES visualizaram a ferramenta “ManageMyLupus” em tablet, site ou aplicação durante a consulta; versões adaptadas ao estado clínico. Questionários validados na fase basal, 3 e 6 meses, mediram conflito decisional, partilha de decisão (CollaboRATE), comunicação médico-paciente e aceitabilidade.

Resultados: Idade média 44,7 anos; 93% mulheres; 45% afro-americanos.

Logo após usar a ferramenta:

- Low-Literacy Decisional Conflict 19,5/100 (baixo); 83% alinharam papel preferido vs real na decisão

- CollaboRATE 25,2/27 (elevado)

- Comunicação 82/100; 81% acharam a informação equilibrada.

- Todos os índices mantiveram-se aos 3 e 6 meses.

Comentário: Implementar o apoio à decisão digital “ManageMyLupus” resultou em conflito decisional mínimo, forte partilha de decisão e comunicação de alta qualidade—benefícios sustentados por seis meses—numa coorte diversa de doentes. Ferramentas digitais simples podem, portanto, institucionalizar a tomada de decisão partilhada (ou colaborativa, como gosto mais) no doente com LES.


POCUS

n = 93 doentes, estudo prospectivo de concordância, Hospital San Francisco de Asís (Madrid), Nov 2022-Set 2023

Introdução: A EFSUMB (European Federation of Societies for Ultrasound in Medicine and Biology) incentiva o uso de ecografia à cabeceira portátil, mas ainda se questiona se o desempenho destes dispositivos se equipara aos ecógrafos clássicos no que toca a patologia abdominal.

Métodos: Cada doente realizou dois exames:

- POCUS com GE Vscan Air

- Ecografia convencional com Samsung RS80

Executados pelo mesmo operador. Concordância analisada com kappa de Cohen.

Resultados:

  • Concordância global 89%.

  • Patologias com concordância perfeita 100%: fígado e bexiga.

  • Boa concordância: rim 86,2%; rim complicado 82,5%.

  • Concordância inferior: intestino 73,3%; pâncreas 58,1%.

  • IMC>30 kg/m² presente em 11,8%, sem impacto relevante nos resultados.

Comentário: Para as patologias abdominais mais frequentes na urgência (cálculo renal, globo vesical, aneurisma da aorta, colecistite), o ecógrafo portátil mostrou desempenho praticamente sobreponível ao aparelho clássico—ganho óbvio de portabilidade e rapidez. Já no que toca a pâncreas e tubo digestivo, a resolução inferior limita a confiança diagnóstica; aqui continua a justificar-se equipamento de sala ou métodos alternativos. Em suma, o “ecógrafo de bolso” é uma excelente primeira ferramenta, mas haverá situações em que não será suficiente – situações essas em que, muito provavelmente, a ecografia à cabeceira em si não será suficiente.

Conclusão: Ecógrafos portáteis oferecem elevada fiabilidade para avaliação rápida de fígado, rim e bexiga, mas mantêm limitações em pâncreas e intestino.



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