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Julho de 2023 - #2 Prevenção, prevenção, grita-se à toa...

Como nunca é tarde para homenagens musicais, ide ouvir esta ganda malha


No substack: esFOAMeados


TABELA DE CONTEÚDOS

 

SINOPSE


🍰 Nata

- Enoxa profiláctica --> Não reduziu TEV

- Dor cervico-dorso-lombar --> Opióides (hidrocodona) não mais eficazes que analgesia habitual

- Tabaco --> Citisiniclina superior a placebo (...mas inferior a varenicilina...)

- Depressão --> ECD não superior a IRSS


🧾Receita

- Tratamento de vasculite-ANCA (PANLAR)


🧐 Observações

- Revisões sistemáticas: S. Cushing Cíclico | Legislação tabágica e desfechos de saúde | Definição de ITU | Medicina baseada no valor vs baseada na pessoa | Disponibilização pública de dados

- Primários: Máscaras, WWMR e eficácia | Algoritmo STANDING e vertigem central | Ácido bempedóico e magia estatística

- Casos e séries: Sevelamer (quelante de P) e colite | RS3PE e adenocarcinoma do pulmão


🌎FOAMed

- 6 S do viés cognitivo no SU | Pneumonia no Rx | TXA e Trauma | Oseltamivir e hospitalizações | Valor p |


 

ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

Cardiovascular

n=2.559, ITT, duplamente-oculto, multicêntrico em 47 centros da França e Suíça

P - Idoso internado (=>70A) + expectativa de internamento >3d + EMV>3M + s/ ACO, s/ risco hemorrágico, plaquetas>80

* Idade ~82A | Tempo de internamento ~8d | 89% c/ mobilidade pelo menos ligeiramente reduzida | 92% c/ DFGe>30

I - Enoxaparina 40mg SC qd por 10d +- 4d

C - Placebo SC qd por 10d +- 4d

O 1º eficácia » IGUAL incidência cumulativa de TEV (TVP e TEP) aos 30d - 1.8 vs 2.2 %, diferença 0.4% (IC 95% -1.5 a 0.7)

1º segurança » IGUAL hemorragia major aos 30d - 0.9 vs 1 %

2º » Igual mortalidade, hemorragia, etc. e todos os outros desfechos secundários

Comentário: Pois é caro leitor fantasma do blogue, tromboprevenção farmacológica foi igual a injectar cloreto de sódio no bucho neste ensaio grande, duplamente-oculto e multicêntrico em 2 países, com adultos hospitalizados idosos e até na esmagadora maioria com mobilidade reduzida. Em primeiro lugar, deixem-me dizer que estes resultados não me espantam. Depois de ler sobre a melhor prova e ter ouvido algumas palestras sobre tromboprofilaxia farmacológica, partia para este ensaio com a ideia de que esta tentativa de prevenção, na melhor das hipóteses, reduz os eventos não fatais e não necessariamente sintomáticos no doente hospitalizado comum, com risco hemorrágico à mistura. Se não acreditam, leiam a revisão da therapeutics initative ou mesmo oiçam o vídeo (que deveria ser obrigatório!) de 50 minutos do Aaron Tejani do profícuo grupo de British Columbia. Agora, o SYMPTOMATIC. Infelizmente, não foi cumprida a meta inicialmente calculada de 4500 doentes para chegar à suposta diferença relativa de 50% e incidência de 2% de TEV sintomático. Bem, parece-me algum "era bom era" (minha tradução de wishful thinking) lendo os 3 ECAs de ondes eles dizem ter extraído estes números, mas quem sou eu, um não metodologista e não investigador. Mesmo assumindo que este cálculo amostral foi razoável...o ECA foi suspenso com 2600 doentes. Tomara muitos! Tenho muitas dúvidas se teria feito diferença continuar até aos 4500 (sim, o cálculo era este mas antes escrevem 5000 porque decidiram discutivelmente pré-aumentar até este número). Aliás, poderia ter aumentado a hemorragia e mortalidade no grupo da enoxaparina, por exemplo. Nunca saberemos. O que sabemos é que temos vários ECAs e meta-análises (mencionadas na revisão supra-citada) a dizer-nos que esta estratégia não é o milagre dogmático que muitos pensam....(voz lateral) "Já puseste a enoxa profiláctica neste doente !?!? " Epá, desculpem lá, tenho só de ir ali fazer uma coisa...

Conclusão: Enoxaparina profiláctica não reduziu a incidência cumulativa de TEV num ECA com >2.000 adultos idosos (idade média 82 anos, mínima 70) hospitalizados por mais de 3 dias (duração média de 8 dias).


Geral, Geriatria & Paliativos

n=347, triplamente-oculto, 157 centros (SU / CS) na Austrália (Sydney)

P - Dor lombo-dorso-cervical + moderada-a-grave + =>12S

I - Oxicodona/naloxona até oxicodona 20mg qd

C - Cuidados habituais (analgesia segundo guidelines)

O 1º » IGUAL dor média às 6S - 2.8 vs 2.3 (0-10), IC -0 a +1.07, p=0.051

2º » Iguais/mais EAs

Comentário: Não é que me pareça que isto seja a nossa prática habitual em Portugal (será?), mas, desde que estou (temporariamente) no Canadá em estágio hospitalar, fico algo chocado com a quantidade de prescrições de opióides em dor não necessariamente grave e até em 1ª-linhas. Espero que a moda não chega a Portugal, pois o outro lado da moeda que isso acarreta é a grande crise de abuso de opióides que por aqui vejo, e que este ECA seja mais uma razão. Acho que, na minha humilde e temporalmente curte observação, o problema muitas vezes é não se dar tempo ao tempo da analgesia mais simples actuar. Às vezes, o melhor é ficar parado e não fazer nada (artigo clássico).

Conclusão: Oxicodona adicionada a analgesia habitual não é mais eficaz e tendencialmente menos segura na dor lombo-dorso-cervical subaguda/crónica moderada-a-grave.


Pneumologia

n=810 / 618 completaram, duplamente-oculto, 17 centros dos EUA, 2020-2021

Citisiniclina, este nome difícil de pronunciar, é mais um composto agonista parcial α4β2, assim como a vareniciclina. Neste ensaio duplamente-oculto, multicêntrico e de amostra moderada, foi eficaz na abstinência às 6S e 12S contra placebo. Bom não?...o problema é que tinha sido inferior a vareniciclina num ECA recente...ainda para mais, também publicado no JAMA. Posto isto pergunto se será sequer ético comparar contra um placebo que não é o melhor.


Psiquiatria

n=160 (de ~3000 rastreados), triplamente-oculto c/ intervenção simulada (sham), 8 hospitais na Alemanha, 2016-2020

P - P. Depressiva Major + Moderada (HDRS>14) + IRSS há =>4S e s/ resposta a =>1 AD

I - Estimulação transcraniana directa REAL todos dias da semana por 4S + 2x/S por 2S

C - Estimulação transcraniana directa SIMULADA todos dias da semana por 4S + 2x/S por 2S

O 1º » IGUAL melhoria na depressão (ITT) » -8 no MADRS (0-60)

2º » Mais EAs - 60 vs 43 %, p=0.028

Comentário: Não me alongarei muito pois a hipótese nula aqui parecia (pelo menos a mim) bastante evidente, a de que só em casos mais graves e refractários a tudo o resto é que se poderia começar a pensar neste tipo de intervenções. E ECA confirma-o. Com algumas limitações como ensaio pequeno e número de doentes incluidos muuuuito inferior aos inicialmente rastreados, mas, ainda assim, com o grande trunfo da intervenção simulada.

Conclusão: ETD não foi mais eficaz que IRSS na PDM moderada-a-grave apenas refractária a 1 anti-depressivo.


 

NORMAS DE ORIENTAÇÃO CLÍNICAS - GUIDELINES

Imuno-mediadas

10 reumatologistas / 7 metodologistas, GRADE, geração de PICO + RS de PubMed/MEDLINE/Cochrane/LACHSL + concordância de >70% do painel, Argentina/México/Brasil/Colômbia/Perú

Norma de países da América Latina sobre tratamento de vasculites ANCA que nos pode ser útil pela (alguma) proximidade de Portugal com estes países. Tudo bem que somos europeus, e para isso temos a EULAR, mas, nalgumas coisas, podemos até mais semelhanças com estes países. Mesmo que não tenhamos assim tantos, é sempre interessante ver as diferenças entre as várias normas, neste caso alencadas na discussão.


 

ESTUDOS OBSERVACIONAIS

REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)

Endocrinologia

n=118 estudos, MEDLINE (casos clínicos e séries de casos), até 10/2022

Síndrome de Cushing cíclico, uma entidade que, confesso, mal conheço. É um tipo de Cushing que cursa com períodos de hipercortisolismo e hipocortisolismo cíclicos. Parabéns a esta revisão que tentou fazer fogo do pouco que havia. A maioria (~70%) são tumores hipofisários, alguns ectópicos (17%) e ainda menos tumores adrenais (11%). Pelos vistos, a cateterização bilateral do seio petroso inferior é virtualmente perfeita (VPP e VPN 100%) para ver se é hipofisário ou ectópico desde que feita nos períodos de hipercortisolismo (pergunto-me se não haveria outra forma menos invasiva?...). Para finalizar, apesar de parecer haver menos remissão, quando esta acontece parece durar mais tempo (quando comparado com Cushing por outras causas).


Geral, Geriatria & Paliativos

n=144 estudos populacionais, PubMed/EMBASE/WoS/CINAHL/EconLit, até 03/2022

Não é de todo a minha praia nem o habitual do blogue, mas pareceu-me interessante como sinal. Pelos vistos, dos 144 estudos populacionais a avaliar legislação e desfechos de saúde que resultaram desta revisão sistemática, apenas a proibição se associou a melhores desfechos de saúde, ao contrário de taxação. Se taxar não funcionar...resta saber se todos concordamos com a bitola de proibir para melhorar.


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n=42 estudos, PRISMA, Pubmed/EMBASE/WoS/Cochrane, 2019-2022

Nada de novo, mas resolvi trazê-lo aqui só para relembrar que o diagnóstico não é o santo graal que muitos acham. Em última instância, a forma como definimos diagnósticos vem do médico/investigador humano e não da natureza (com o objectivo, claro, de tentar reproduzir ao máximo a verdade da mesma). Impressionante a disparidade de diferentes definições. Nenhum dos 12 estudos da cistite aguda usou a mesma definição, e apenas 2 dos 12 na pielonefrite o fez...para não falar do resto, como se usar piúria e culturas na definição e como definir ITU complicada. Aparentemente, Napoleão Bonaparte terá dito algo como a "história é um conjunto de mentiras a partir das quais se chegou a um consenso". Não sei poria a frase nestes termos ou se diria antes "conjunto de verdades e mentiras" (acreditanto que a % verdade > % mentira), mas acho que a ideia é perceptível e aplicável ao mundo do diagnóstico.


Meta-investigação & MBE

n=39 estudos c/ 94 unidades de medida, Cochrane/EMBASE/MEDLINE/WoS, até 02/2021

Pois é, boa questão. Uma questão que, na verdade, há um tempo me apoquenta. Medicina baseada no valor...que valor é esse? Que conceito é este que nunca estudei na faculdade? Relacionada com medicina centrada na pessoa, medicina baseada na prova...ou medicina baseada no guito? Dito o mais sincera e menos cinicamente possível, não sei. Esta revisão scope, no entanto, chegou à conclusão que a maioria das métricas não são orientadas ao doente.


n=195 estudos primários, PRISMA, Medline/Embase/medRxiv/bioRxiv/MetaArXiv, até 08/2022

Dos 105 meta-estudos com 2.121.580 artigos de 31 especialidades inicialmente investigados, sobraram os 195 primários com média de ano de publicação no ano 2015. Apenas 8% dos estudos foram classificados como baixo risco de viés, e ainda menor foi o número de disponibilidade de dados publicamente disponíveis: 2% (e isto apesar de 8% declarem dados disponíveis...). Não sei quanto a vós, mas eu cá, sobretudo depois de coisas como a polémica da Roche e do oseltamivir, fico preocupado com isto.

 

PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS

Cardiovascular

n=4.206 (dos 13.970), subanálise do CLEAR dos doentes de elevado RCV mas s/ evento CV prévio

Não vou comentar além do que já foi tremendamente comentado por sábios como James McCormack e John Mandrola...mas posso pelo menos reforçar: fazer uma análise de subgrupos uuultraparcial de 1 de 38 subgrupos, sem olhar para os outros 37, e ainda por cima chegando a uma conclusão com pouca plausibilidade biológica - a de que um medicamento que reduz LDL e PCR é eficaz em prevenção primária e não em secundária? Nunca se deixem enganar por subgrupos. Foi apenas para dizer que trouxe isto aqui, cautela e não papem subgrupos!


Meta-investigação & MBE

n=77 estudos, estudo transversal retrospectivo do relatório MMWR, 1978-2003 (todos >2019)

Os prolíficos TBH, AH e VP voltam a atacar. Fizeram um corte transversal dos estudos publicados pelo Morbidity and Mortality Weekly Report (MMWR) focados nas máscaras. Destes, 0 são ECAs. Não obstante, 75% tece conclusões positivas de eficácia das máscaras apesar de teste de máscaras (ou seja: grupo comparador) em apenas 30% e significância estatística em muito apenas <15%. Ainda assim, metade tecem conclusões causais, nenhum cita dados de ECAs já publicados e a grande maioria da qualidade da prova foi baixa e não suportada pelos dados.


Neurologia

n=312, coorte prospectiva com seguimento de 1 ano, França (Paris)

Estudo prospectivo com doentes com vertigem, sintomas vestibulovisuais ou sintomas posturais onde 20 médicos internos, depois de treinados no algoritmo STANDING, usaram-no para excluir causas centrais de vertigem, seguido de avaliação por especialistas com o mesmo algoritmo. Entre os 312 doentes, 18% tiveram diagnóstico central (10% com AVC isquémico) mas a maior causa foi VPPB (32%). A razão de verosimilhança positiva (diagnosticar) e negativa (excluir) foi muito boa, tanto para internos como especialistas --> LR+ 5 e 10 ; LR- 0.09 e 0.01 (interno e especialista). A concordância entre internos e especialistas foi também muito boa --> coeficiente estatístico B de 0.77.

 

CASOS CLÍNICOS e SÉRIES DE CASOS

Desconhecia esta possibilidade. Apesar de rara e gravidade ainda mais rara, incluirei no meu diferencial.


Imuno-mediadas

Não eSqu3cer a RS3PE.

 

FOAMed


Diagnóstico e Raciocínio Clínico

▼ Speed▼ Spread▼ Suspicious▼ Secondary▼ Situation▼ Sways

Excelente resumo de identificação de pneumonia no Rx torácico. Aprendi e revi muito, espero que vos seja útil.


Doente crítico/urgente

Boa discussão, com nuance e opiniões ligeiramente diferentes, sem necessidade de confrontação directa. Resumo: TXA não é de todo a panaceia...pode ter algum benefício a curto-prazo, sobretudo em centros não avançados em trauma, mas a longo-prazo o efeito atenuará ou até anulará. Estes doentes precisam sobretudo de tratar a fonte da hemorragia, dar sangue e medicamentos que actuam em micro-moléculas da cascata não os salvará.


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

Já tinha trazido ao blogue no mês passado, mas aqui vem uma análise de dois dos autores dos blogues / podcasts médicos mais consumidos do mundo. A conclusão é a mesma, oseltamivir não reduz internamentos e aumenta EAs.


Meta-investigação & MBE

Muito bom! Explicação de médico para médico sobre o que é afinal o p-value, baseado no famoso artigo A dirty dozen: twelve p-value misconceptions. Mais uma coisa que deveria ser basilar na faculdade....mas que não é.


 

ABA - Aumento de Benefício Absoluto | ARA - Aumento de Risco Absoluto | EBM - Evidence-based medicine | ECA - Ensaio controlado e aleatorizado | ITT - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NIT - Non-inferiority trial | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RR - Redução Relativa | RRA - Redução do Risco Absoluto | RS - Revisão Sistemática

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