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Agosto de 2025 - Os cogumelos (estatisticamente) mágicos

Atualizado: 24 de out.

No substack: esFOAMeados No patreon: esFOAMeados Em podcast: Hipótese Nula


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TABELA DE CONTEÚDOS


SINOPSE


🎂 Nata da nata

- Gota --> Suspensão de profilaxia anti-inflamatória c/ mais flares nos 1os 3 meses (ACR)

- Haloperidol --> Muito mais seguro do que se pensa (incluindo EV) (PLOS)

- Psilocibina --> Grupos de controlo muito piores podem explicar falso benefício (JAMA NO)


🍰 Nata

- S. tunel cárpico --> Cirurgia mais eficaz que injecções de corticoterapia (DISTRICTS, Lancet)

- Lombalgia Crónica --> Terapia cognitivo-funcional eficaz a 3 anos (biofeedback sem vantagem?) (Lancet Rheuma)

- Poliangeíte c/ G. Eos. --> Rituximabe não superior a Ciclofosfamida na PGE...mas equivalente? (REOVAS, AIM)

- Osteoartrose --> Osteotomia medial pode vir a ser útil na OA com joelho varo (AIM)

- Tenecteplase --> No AVCi pós-trombectomia, útil? Mais um ECA pequeno e c/ limitações... (ANGEL-TNK, JAMA)


🧾Receita

- Histoplasmose: Assintomática e Ligeira/Moderada (IDSA)


🧐 Observações

- Revisões sistemáticas: HSA e regras de decisão clínica (AEM) | Bloqueio serrátil anterior no SU na dor aguda (JEM) | Métricas de qualidade nos MGF do RU (BMJ)

- Primários: App Queen of Hearts (IA) e OCA em ECG (AJEM) | FA e NOACs em idosos frágeis (JACC) | Escala de confirmação de alergia a sulfonamidas "SULF-FAST" (JAMA NO) | Hipersensibilidade a AINEs e dessensibilização na grávida (Lancet Rheuma) | LEV vs LTG e arritmias (Neurology)

- Casos e séries: Peritonite caseosa vernix


Opiniões

- Perspectiva: Vacinas mRNA e FDA (JAMA)


🌎FOAMed

AINEs e IBP de prevenção (ISBE)



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REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs

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Imuno-mediadas

n = 2,972 / 7 ECAs (6 publicados + VA STOP Gout inédito), revisão rápida, multicêntrico, vários países, até 02/2024

P — Gota a iniciar ou intensificar terapêutica hipouricemiante (TH) sob profilaxia anti-inflamatória (colchicina ou AINE)

I — Interrupção programada da profilaxia anti-inflamatória

C — Período em tratamento profiláctico (baseline)

1º — MAIOR frequência de ≥1 crise gotosa <=3 meses / IGUAL frequência => 4 meses

  - Durante profilaxia: 14,7% (IC95%% 11,3–18,5)

  - 3 meses após cessar: 29,7% (22,9–37,0)

  - Período tardio (≥4.º mês): 12,2% (6,8–19,0)

  - Diferença imediata vs profilaxia: +15 pp; p<0,0001 (NNH≈7)

  - Diferença tardia vs período de rebound: –16 pp; p<0,001 (NNH≈7)

2º — Segurança não reportada nos follow-ups; sem análise do tipo de profilaxia, classe de TH ou braços-placebo.

Comentário: Meta-análise robusta (quase 3.000 doentes) mostrou duplicação transitória do risco de crises no trimestre subsequente à suspensão de colchicina/AINE, regressando depois a níveis basais. A heterogeneidade moderada foi adequadamente explorada; ausência de dados de segurança detalhados limita avaliação de eventos adversos tardios. Falta ocultação e a maioria dos ensaios usou colchicina 0,6 mg/d — extrapolação para outros requer cautela.

Conclusão: A cessação da profilaxia anti-inflamatória após iniciar TH associou-se a acréscimo temporário de crises (NNH≈7 nos primeiros 3 meses) mas igual risco a partir do 4º mês.


Neurologia

n = 12,180 / 84 ECAs, multicêntricos, vários países, seguimento mediano 28 dias (IC 51)

P — Adultos (≥18 anos) expostos a haloperidol em ECAs

I — Haloperidol (qualquer via, inclusive EV)

C — Placebo

O » IGUAIS eventos maiores (MACE, morte, paragem cardíaca, taquiarritmia ventricular/tor­sades, convulsão ou síncope)

  - MACE = RR 0,93 (IC95 % 0,80–1,08); I² 0%

  - Mortalidade = RR 0,88; IC95 % 0,72–1,08)

  - Arritmias raras = ventriculares 0,2%); torsades: 3 (0,02%)

Comentário: Há a preocupação clássica sobre o risco de aumento do intervalo QT com o haloperidol (embora quem leia pessoas como o Josh Farkas sabe que provavelmente isto não tem grande tradução clínica). Pois bem, agora temos esta RS com apenas ECAs de haloperidol. Apesar de relativamente curtos (≈4 semanas), metade tinham registos de ECG, quase um quarto recrutou idosos >65 anos e um terço tinha doentes cardíacos, reforçando aplicabilidade clínica. A ausência de heterogeneidade (I² 0%) sustenta a robustez da prova e a análise por subgrupos (idade, sexo, via, contexto) não revelou diferenças. O receio histórico de pró-arritmia baseou-se mais em prolongamento de QT do que em desfechos duros e orientados ao doente, mas mesmo assim, aqui, os eventos arrítmicos foram raríssimos. A curta duração dos ensaios limita conclusões sobre uso prolongado, mas, pelo menos, a evidência afasta a necessidade de ECG sistemático em contexto agudo e hospitalar.

Conclusão: Em adultos, inclusive idosos e doentes cardíacos, o haloperidol — mesmo EV — não piorou qualquer desfecho incluindo MACE e mortalidade.


Psiquiatria

n=4.960 / 17 ECAs duplamente-ocultos

P — Adultos com depressão major ou resistente (≤6 semanas de follow-up)

I — Psilocibina (4 ensaios), esketamina (2 ensaios) ou ISRS (11 ensaios)

C — Placebo ou tratamento-controlo equivalente dentro de cada ensaio

O » MENOR MELHORIA nos grupos de controlo dos ECAs da psilocibina (variação escala MADRS, 0-60)

 - Psilocibina: SMC 0,50   |   ISRS: SMC 1,00   |   Esketamina: SMC 1,12    ;   QM moderador p = 0,005

   » MAIOR diferença entre grupos activo-controlo dos ECAs da psilocibina (SMD)

 - Psilocibina: SMD 0,70   |   ISRS: 0,27   |   Esketamina: 0,30   ;   QM p = 0,005

   → Grupo controlo nos ECAs de psilocibina melhorou apenas metade do controlo dos ECAs de ISRS/esketamina

  » MENOR abandono nos ECAs de psicadélicos (≈8%) comparados com ISRS (≈33%)

→ Potencial viés de desempenho da não-ocultação (“expectativas positivas”)

Comentário: Apesar de haver grande entusiasmo em opções classicamente alternativas (aKa drogas) no tratamento da depressão, os ECAs aparentemente positivas têm pecado por falhas metodológicas como ausência de ocultação e ausência de comparador activo. Esta meta-análise “comparativa” fez uma coisa interessante, foi comparar os grupos de controlo de ECAs de 3 fármacos: o alternativo (psilocibina, aKa cogumelo mágico), o semi-alternativo (esketamina, com benefício médico demonstrado desde que em doses não tóxicas, aKa doses não-psicadélicas). Como se vê, a população a quem calhou o grupo de controlo nos estudos de psilocibina melhorou muito menos - foi quase como uma população em “lista de espera” (com depressão mais grave) para real tratamento do que uma população com depressão resistente. Isto não pode ser. Se queremos testar um novo fármaco, ainda para mais com potencial de malefício, temos de o testar contra comparador activo além de contra placebo. Idealmente, contra os dois (a vantagem de continuarmos a usar o placebo é que o comparador activo minimiza os eventos adversos “reais”, já que testamos contra um fármaco que, por si só, também tem alguns eventos adversos e a magnitude da diferença será menor). Além de metodologicamente mau, é pouco ético deixar doentes em grupos de controlo sem oferta do tratamento de 1ª-linha. E se ainda há dúvidas, os autores foram mais longe e chegaram à conclusão de que a melhoria na depressão foi equivalente nos braços activos. Ou seja, a proporção de melhoria da depressão nos doentes que fizeram o fármaco foi equiparável, mas muito pior nos doentes que não fizeram o fármaco nos ECAs de psilocibina quando comparado com os ECAs dos outros dois. A ausência de ocultação num ensaio que usa um fármaco com hype e em ambiente terapêutico intensivo pode ajudar a explicar o fenómeno. Até existir ensaio verdadeiramente oculto com comparador activo “psicoativo neutro”, a utilidade da psilocibina quando já existem tratamentos estabelecidos permanece altamente discutível.

Conclusão: Quando comparados os grupos de controlo entre diferentes ECAs, a eficácia da psilocibina está sobrestimada pois foi comparada com doentes com depressão mais grave.




ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

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Cirurgia, Ortopedia & MFR

n=145, aberto c/ avaliação oculta, unicêntrico com braço de preferência paralela, Canadá, 2014–2022

P – Doentes com artrose do compartimento medial e desalinhamento em varo

I – Osteotomia tibial alta (HTO) + tratamento conservador

C – Tratamento conservador isolado (exercício supervisionado, AINE/paracetamol, nutrição)

O 1º » MENOR alteração da espessura da cartilagem tibiofemoral medial aos 2 anos (RM 3T, cega)

  - HTO: –0,07 mm (perda de 2%) vs controlo: –0,25 mm (perda de 9%)

  - Diferença absoluta: +0,18 mm (IC95%: 0,18 a 0,19 mm) a favor da HTO

O 2º » Maior melhoria na qualidade de vida (KOOS, 0–100; MCID = 10 pontos)

  - HTO: +24,95 pontos vs controlo: +9,06 pontos

  - Diferença média: +15,89 pontos (IC95%: 8,94 a 22,84)

Comentário: A HTO com cunha medial demonstrou superioridade significativa face a tratamento conservador isolado, com menor perda de espessura da cartilagem medial (diferença de 7% face ao controlo, ultrapassando o limiar de relevância clínica de 6,3%) e melhoria sintomática clinicamente importante (KOOS +16 pontos). Estes efeitos foram consistentes tanto na coorte randomizada como no braço de preferência, apesar de o estudo ser unicêntrico. A intervenção exige acesso cirúrgico e tempo de recuperação, mas os resultados estruturais e funcionais são relevantes.

Conclusão: A osteotomia tibial alta com cunha medial abrandou ligeiramente a progressão estrutural da artrose medial do joelho em doentes com desalinhamento em varo, e talvez melhore também os sintomas.


n = 934, ensaio aberto com avaliação oculta, multicêntrico (31 hospitais), Países Baixos, 11/2017–11/2021

P - S. do túnel cárpico ≥6 semanas, confirmado electrofisiológica ou ecograficamente

I - Descompressão cirúrgica inicial

C - Injecção única de corticosteroide (tratamentos adicionais permitidos em ambos os grupos)

1º » MAIOR recuperação (CTS-6 < 8/24) aos 18 meses - 61% vs 45%, RR 1,36 (IC95%% 1,19–1,56); p < 0,0001

  - RRA 16% / NNT ≈ 7 (benefício clínico relevante)

2º » Iguais EAs: 86% vs 85% (sem diferença significativa)

  » Hospitalizações relacionadas: 1 no grupo cirúrgico; nenhuma morte atribuída ao tratamento

Comentário: Ensaio pragmático aberto (potencial viés de desempenho), mas com avaliadores mascarados (reduz viés de detecção), sobre uma questão pertinente, pois havia a percepção de que a corticoterapia é pouco eficaz no STC. A vantagem absoluta de 16% (NNT 7) na recuperação funcional é larga e consistente em todas as gravidades iniciais. Quase metade dos doentes inicialmente injectados acabou por necessitar de cirurgia, sinalizando a baixa durabilidade da injecção e possível atraso terapêutico. A maioria dos “eventos adversos” foram ligeiros; complicações graves foram raras. Estes dados apoiam a descompressão cirúrgica como estratégia inicial preferencial, reservando a injecção de corticóides para alívio temporário ou preferência expressa do doente. A minha grande questão quanto a este ensaio é a comparação da cirurgia de descompressão com um grupo de controlo sem corticoterapia mas com alteramedidas de terapia ocupacional e fisioterapia.

Conclusão: Iniciar o tratamento da síndrome do túnel cárpico com cirurgia (ocomparado com injecções de corticóide) aumentou a probabilidade de recuperação sustentada aos 18 meses sem acréscimo relevante de complicações graves.


Geral, Geriatria & Paliativos

n = 492 (50% dos rastreados), ensaio aberto com avaliação oculta, multicêntrico (20 clínicas de cuidados primários em fisioterapia), Austrália, 10/2018 – 08/2020 (follow-up até 08/2023)

P — Lombalgia crónica incapacitante (≥3 meses), limitação física moderada (Roland-Morris) e dor média ≥ 4/10

I — Terapia cognitivo-funcional (CFT) até 7 sessões/12 semanas + reforço aos 6 meses

I₂ — CFT + biofeedback com sensores de movimento (mesmo esquema de sessões)

C — Cuidados usuais à escolha do doente/provedor

1º — MENOR limitação física (Roland-Morris 0–24) aos 3 anos (I/I₂ vs C)

  - CFT: –3,5 pontos vs cuidados usuais (IC95% –4,9 a –2,0)

  - CFT+biofeedback: –4,1 pontos vs cuidados usuais (IC95% –5,6 a –2,6)

  - Sem diferença CFT vs CFT+biofeedback: –0,6 (IC95% –2,2 a 0,9)

2º — Menor intensidade de dor (0–10) aos 3 anos  (I/I₂ vs C)

  - CFT: –1,0 ponto vs cuidados usuais (IC95% –1,6 a –0,5)

  - CFT+biofeedback: –1,5 pontos vs cuidados usuais (IC95% –2,1 a –0,9)

  - Sem diferença CFT vs CFT+biofeedback: –0,5 (IC95% –1,1 a 0,1)

Comentário: Ambos os braços de CFT mantêm benefícios clinicamente relevantes se incapacidade (MCID≈2) e dor (MCID≈1), e que se mantém ao longo de 3 anos. A adição de biofeedback não conferiu vantagem estatística ou clínica sobre CFT isolada, sugerindo que o cerne do efeito reside na intervenção cognitivo-funcional e no treino motor personalizado. O desenho aberto implica potencial viés de desempenho, mas a magnitude dos desfechos auto-reportados e a retenção (≈64%) podem reforçar a validez dos achados. Gostaria de saber os eventos adversos tardios e não esquecer que a implementação em larga escala exige formação extensiva de fisioterapeutas e replicação.

Conclusão: Sete sessões de CFT (com ou sem biofeedback) proporcionam benefícios sustentados (≥3 anos) em incapacidade e dor na lombalgia crónica; o biofeedback não apresenta utilidade adicional evidente.


Imuno-mediadas

n = 105, duplamente oculto, multicêntrico, França, 2016–2023

P – Poliangeíte com granulomatose eosinofílica (EGPA) activa

I – Rituximabe 1g ×2 (dia 1 e 15) + corticóides (dose ajustada)

C – Estratégia convencional: Corticóides ± ciclofosfamida (nas formas graves)

O 1º » IGUAL remissão aos 180 dias (BVAS = 0 e prednisolona ≤7,5 mg/dia) - 63,5% vs 60,4%, RR=1,05 (0,78–1,42), p=0,75

Outros resultados:

– Duração média da remissão: 48,5 vs 49,1 semanas (ns)

– Taxas de recaída e de recaída major: idênticas

– Dose média diária de corticóide: semelhante

– Efeitos adversos: sem diferença significativa entre grupos

Comentário: O estudo não demonstrou superioridade do rituximabe face à abordagem convencional na indução de remissão da EGPA. A taxa de remissão aos 180 dias foi semelhante, tal como a duração da remissão, necessidade de corticóides e segurança. A ausência de superioridade num estudo bem desenhado (Fase 3, duplamente oculto, com critérios de remissão clinicamente relevantes) sugere que o rituximabe pode ser uma alternativa razoável, mas não superior, à ciclofosfamida. No entanto, o desenho não permite concluir sobre equivalência, especialmente nos doentes com doença mais grave, nos quais a ciclofosfamida foi usada mais frequentemente.

Conclusão: O rituximabe não demonstrou superioridade face à abordagem convencional na indução de remissão na EGPA. Pode ser uma opção alternativa, mas não substitui claramente a ciclofosfamida nas formas graves.


Neurologia

n = 256, ensaio aberto com avaliação oculta, multicêntrico (19 hospitais), China, 02/2023–07/2024

P — AVC c/ oclusão de grande vasos anterior + 4,5-24 h após 1º sintoma e reperfusão eficaz pós-trombectomia

I — Tenecteplase intra-arterial (0,125 mg/kg) imediatamente após trombectomia

C — Tratamento médico padrão sem fármaco intra-arterial

O 1º » Maior probabilidade de desfecho funcional excelente (mRS 0-1) aos 90 dias - 40,5 % (51/126) vs 26,4% (34/129)

  - Diferença absoluta: +14,1 pp; RR 1,44 (IC95%% 1,06–1,95); p = 0,02 / - NNT≈7 (benefício clínico relevante)

O 2º » Igual HIC sintomática ≤48 h: 5,6% vs 6,2%; RR 0,95 (IC95%% 0,36–2,53)

» Mortalidade a 90 d: 21,4% vs 21,7%; RR 0,76 (IC95%% 0,40–1,43)

Comentário: O ensaio foi aberto, mas com avaliadores com ocultação, deixando risco de viés de desempenho. O ganho de 14 pp em independência funcional é clinicamente significativo (NNT ≈ 7) e não se associou a aumento de hemorragia ou mortalidade; contudo, nenhum dos sete desfechos secundários de eficácia confirmou o benefício, sugerindo «spin» ao enfatizar-se apenas o primário. A amostra é modesta e limitada a centros chineses; extrapolação para outras populações, janelas temporais ou vias de administração deve ser cautelosa.

Conclusão: Em doentes com oclusão de grande vaso reperfundidos 4,5-24 h após início dos sintomas, a tenecteplase intra-arterial pós-trombectomia aumentou a probabilidade de independência funcional sem sinal claro de dano, mas a evidência ainda carece de confirmação antes de aplicação rotineira (e mRS 0-1 muito diferente de 0-2??).


NORMAS DE ORIENTAÇÃO CLÍNICAS - GUIDELINES

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Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n~2.000 / 100.000, 9 / 8 estudos observacionais (1 prospectivo em cada), GRADE c/ RS

Introdução: A IDSA publicou a primeira parte da actualização (última em 2007!) das suas recomendações para histoplasmose, centrada em nódulos pulmonares assintomáticos e histoplasmose aguda ligeira-a-moderada em adultos, crianças e grávidas. Apesar de ser raríssimo em Portugal, com a maior exposição migratória, poderemos começar a ver mais casos de histoplasmose.

Objectivo: Definir quando tratar (ou apenas vigiar) doentes com infecção pulmonar ligeira por Histoplasma capsulatum, incorporando estratificação de risco imunitário e princípios GRADE.

Métodos: Revisões sistemáticas da literatura pós-2007; painel multidisciplinar; gradação de força (forte = “o painel recomenda”, condicional = “o painel sugere”) e de certeza da evidência (muito baixa a moderada).guidelinecentral+1

Cenário clínico

Estado imunitário

Recomendação

Observações

Nódulo pulmonar assintomático (histoplasmoma)

Imunocompetente

Não tratar

Apenas vigilância clínica/radiológica


Imunossuprimido c/ risco elevado*

Vigiar de perto ± tratar

*corticoides ≥2 mg/kg/d, CD4<200, ≤100 d pós-TXHSC, CAR-T ≤90 d, etc.

Histoplasmose aguda ligeira

Imunocompetente

Não tratar

Sintomas leves, <2 semanas, bom estado geral


Imunossuprimido risco moderado-alto

Tratar

Itraconazol c/ TDM (monitorização terapêutica de fármaco)

Histoplasmose aguda moderada

Imunocompetente

Tratar opcional

Decisão partilhada consoante duração/progressão


Imunossuprimido risco moderado-alto

Tratar

Itraconazol ± TDM

Terapêutica de escolha:

  • Itraconazol em cápsulas ou solução à obrigatório TDM para níveis alvo.

  • Gravidez: evitar azóis no 1.º trimestre à anfotericina B

Implicações práticas:

  1. Menos é mais: a maioria dos nódulos assintomáticos não precisa de antifúngicos—valorizar vigilância e evitar iatrogenia.

  2. Olhar para o hospedeiro: a decisão de tratar formas ligeiras não depende só do fungo mas da imunidade do doente—corticoides crónicos, HIV não tratado, transplantes recentes mudam o jogo.

  3. Itraconazol não é paracetamol: variabilidade enorme de absorção exige TDM sistemático; só assim se evita sub-dosagem (falha) ou toxicidade.

  4. Gestação e azóis: lembrar teratogenicidade—consultar medicina materno-fetal antes de prescrever.

  5. Guia vivo: restantes secções (doença grave/disseminada, terapias de resgate, papel de corticóides) virão em próximas publicações; manter espírito crítico e actualizar (ou manter…) práticas.

Tal como outras diretrizes da IDSA, estas recomendações são concisas, baseadas em GRADE e alinham-se com a prática de alto valor—priorizando tratamento dirigido a quem mais beneficia e poupando antifúngicos desnecessários nos restantes doentes.



ESTUDOS OBSERVACIONAIS

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REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)

Doente crítico/urgente

n = 14 estudos (81 doentes), revisão sistemática qualitativa, internacional, até Outubro 2023

Introdução: O serratus anterior plane block (SAPB) tem ganho popularidade entre médicos de urgência como técnica analgésica regional, mas a evidência permanece dispersa.

Objectivo: Sintetizar a utilidade do SAPB guiado por ecografia, realizado por médicos de urgência, no alívio de dor aguda no serviço de urgência.

Métodos: Seguindo PRISMA, pesquisaram-se PubMed, Scopus e Cochrane desde a origem das bases até 10/2023. Incluíram-se artigos em que o SAPB foi executado por médicos de urgência; síntese narrativa dos resultados.

Resultados: Identificaram-se 14 publicações, maioritariamente relatos de caso ou séries, englobando 81 doentes com cinco indicações principais: fractura de costelas, toracostomia, herpes-zoster agudo, queimaduras da parede torácica e lesão torácica não especificada. Em 65 bloqueios, o anestésico foi injectado superficialmente ao músculo serrátil anterior; em quatro, superficialmente às costelas. Usaram-se ropivacaína ou bupivacaína. Registaram-se melhorias subjectivas e objectivas de dor em praticamente todos os casos e não se relataram complicações.

Comentário: A evidência, embora limitada a casos e pequenas séries, sugere que o SAPB guiado por ecografia é uma opção analgésica eficaz e segura para várias fontes de dor da parede torácica no serviço de urgência. A técnica pode reduzir a dependência de opióides, mas carece de estudos prospectivos de qualidade para recomendações robustas.


Meta-investigação & MBE

n=30 estudos (83 indicadores introduzidos; 31 retirados), RS de “estudo natural”, Reino Unido, 2004-2024

Objectivo: Avaliar o impacto, a 1 e 3 anos, da introdução e da retirada de incentivos financeiros do Quality and Outcomes Framework (QOF) sobre a qualidade dos cuidados na medicina geral e familiar britânica.

*para nós, pensar nos MGF que trabalham nas USF de modelo B

Métodos: Pesquisaram-se MEDLINE, Embase, CINAHL, PsycINFO e Scopus por estudos de séries temporais com ≥3 pontos antes e depois de cada alteração do QOF. Quando o efeito não era reportado, aplicou-se análise de séries temporais interrompidas aos dados brutos. Síntese quantitativa por mediana e intervalo interquartil (IIQ) das variações face à tendência pré-intervenção.

Resultados: Um ano após a introdução do incentivo, a qualidade (registada) aumentou 6,1 % (IIQ 1,9–14,6). Aos três anos, o ganho esbateu-se para 0,7 % (−2,1–8,9). Processos complexos, especialmente com desempenho baixo inicial (p.ex., rastreio do pé diabético), mostraram maior melhoria; medições simples, resultados intermédios e indicadores de tratamento mudaram pouco. Após a retirada do incentivo, a qualidade caiu após 1 ano −10,7 % (−17,9–−3,8) ao fim e após 3 anos −12,8 % (−21,0–−4,4), anulando ou até ficando pior que os ganhos prévios. Indicadores nunca incentivados mostraram estagnação inicial e ligeiro declínio a três anos.

Comentário: Os incentivos do QOF produziram melhorias modestas e de curta duração que se dissiparam com o tempo e inverteram-se quando o estímulo financeiro cessou. Persistem as dúvidas cruciais de sempre: A suposta melhoria reflecte verdadeira melhoria de cuidado ou apenas melhor documentação? As métricas escolhidas dizem respeito a verdadeiros desfechos orientados ao doente? Incentivar certas condições desvia atenção de outras? Os ganhos transitórios justificam a maior despesa e peso administrativo? Estes resultados sugerem que o “pay-for-performance” pode precisar de um desenho mais sustentável e integrado com factores estruturais — pessoal, carga de trabalho, financiamento — para alcançar melhorias duradouras nos cuidados primários.


Neurologia

n = 12 estudos (10,338 Ottawa Rule / 2,550 Emerald Rule);, PRISMA-DTA, internacional, PROSPERO, pesquisa até 2024

Introdução: As regras clínicas Ottawa e Emerald foram criadas para excluir hemorragia subaracnoideia (HSA) em adultos com cefaleia aguda não traumática no serviço de urgência, potencialmente evitando TC craniana. Estudos de validação isolados apontam para elevadíssima sensibilidade, mas o impacto real na prática permanece incerto.

Objectivo: Sintetizar a exactidão diagnóstica das duas regras e quantificar a sua influência na utilização de TC.

Métodos: Pesquisa em PubMed, Embase, Scopus e Web of Science identificou 12 estudos elegíveis. Dados de TP, FP, FN e TN permitiram calcular sensibilidade, especificidade, razões de verosimilhança (RV) e Diagnostic Odds Ratio. Avaliou-se ainda a mudança absoluta de pedidos de TC após aplicação da Ottawa Rule.

Resultados: A Ottawa Rule atingiu sensibilidade de 99% (IC 95 % 92–100) e especificidade de 23% (16–32); RV– 0,025 e RV+ 1,29. A Emerald Rule apresentou sensibilidade igualmente de 99% (71–100) e especificidade de 27% (15–43); RV– 0,065 e RV+ 1,34. A Ottawa Rule não reduziu significativamente o recurso a TC (OR 1,15; IC 95 % 0,62–2,13).

Comentário: Ambas as regras funcionam essencialmente como testes de exclusão — negativos quase eliminam a hipótese de HSA — mas falharam em poupar exames (desconhecimento ou selecção de doentes com probabilidade pré-teste elevada?): com especificidade inferior a 30%, a maioria dos doentes continua a fazer TC. A meta-análise confirma que aplicar Ottawa ou Emerald pode não diminuir pedidos de imagem, reforçando que devem ser usadas, no máximo, como “one-way rules” (à semelhança do PERC no TEP): resultado negativo pode sustentar a decisão de não pedir TC, mas resultado positivo não obriga, por si só, a imagiologia. A prática clínica continuará dependente do juízo do médico de urgência, que já filtra grande parte destes casos através da avaliação global do doente.

PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS

Cardiovascular

n = 95 médicos (53 urgência, 42 cardiologia), estudo de diagnóstico, coorte retrospectiva, EUA, 2025

Objectivo: Avaliar a precisão diagnóstica de médicos para activar a sala de hemodinâmica (CAT) com base em ECGs de equivalentes de oclusão coronária aguda (OCA) e de mimetizadores de OCA, comparando com IA (app Queen of Hearts).

  • Foram usados 18 ECGs difíceis: 12 verdadeiros OCAs (incluindo padrões de de Winter, STEMI transitório, T hiperagudas, BRD/BRCE, etc.) e 6 mimetizadores. O padrão de referência baseou-se em angiografia, troponina, ecocardiograma e seguimento clínico (o habitual que usamos).

  • A precisão dos médicos foi de 65,6 % (IC 95 % 52–77), sem diferenças entre especialidades (urgência vs cardiologia). A IA teve precisão de 88,9 % (IC 95 % 82–93), significativamente superior (p < 0,001). Os médicos falharam 41 % dos OMI e activaram o CAT desnecessariamente em 32 % dos não-OMI. A IA falhou em 11 % e sobrestimou em 11 %.

  • Os padrões mais frequentemente mal interpretados pelos médicos foram: de Winter, STEMI transitório, T hiperagudas, BRD/BRCE e BRCE com OMI. A IA errou apenas dois casos: aneurisma ventricular esquerdo (sem OMI) e BCRE com OMI.

Comentário: A Queen of Hearts, desenvolvida por mestres da emergência e ECG como o Stephen Smiths (recomendo o seu blogue e seus trabalhos na literatura da OCA), é uma app que tem dado que falar e até aguarda uma provável aprovação pela FDA. Este é um estudo relevante pela dificuldade de avaliar equivalentes de STEMI - ou outros achados de OCA que não supraST - e pelo impacto clínico da decisão de activar o CAT e de um EAM. Os médicos mantêm uma precisão modesta (≈66 %), mesmo entre especialistas, em padrões electrocardiográficos subtis - interessante que estes emergencistas tiveram a mesma precisão que os cardiologistas, mas não nos esqueçamos que falamos provavelmente de emergencistas com um grau de intrepretação de ECG muito superior à média (pelo menos à nossa em Portugal, onde a especialidade ainda nem está estabelecida). A IA superou o desempenho humano, ainda que não seja infalível, e não esquecer que estes casos difíceis são uma minoria, o que sobreestima a diferença de acuidade entre médico e IA. Há potencial para integrar IA como apoio à decisão clínica, reduzindo tanto OMI não tratados como activações desnecessárias. No entanto, gostaria de ver um estudo propsectivo e multicêntrico!


n=5.913, estudo post-hoc, dados individuais de 4 ECAs; multicêntrico internacional; seguimento mediano 27 meses

ECAs: RELY, ARISTOTLE, ROCKET and ENGAGE --> COMBINE-AF Group

Introdução: O ensaio FRAIL-AF supreendeu muitos ao chegar à conclusão que, em doentes frágeis e idosos já sob varfarina, a mudança para NOAC poderia aumentar a hemorragia, sugerindo não mudar nesses doentes. No entanto, o ensaio foi suspenso antes por segurança e houve poucos eventos para grande certeza quanto a esse desfecho.

Objectivo: Avaliar, nos doentes dos ensaios originais de FA que eram frágeis, idosos e com experiência prévia de antagonistas da vitamina K (população do FRAIL-AF), o impacto de mudar para NOAC em dose padrão

Métodos: A análise incluiu 71.683 participantes dos ensaios RELY, ARISTOTLE, ROCKET-AF e ENGAGE, dos quais 5.913 cumpriam os três critérios “FRAIL-AF-like” (frágil, ≥75 anos e sob AVK). A fragilidade foi quantificada por um índice acumulativo de 18 condições relacionadas com a idade, diferente da escala social-funcional usada no FRAIL-AF, e os desfechos pré-especificados foram: AVC/embolia sistémica, hemorragia major (e sub-tipos), mortalidade e um desfecho clínico "líquido" (saldo entre desfechos de eficácia e de segurança).

Resultados: Nos doentes “FRAIL-AF-like” a mudança para DOAC reduziu AVC/embolia em 17% (HR 0,83) sem significância estatística, não alterou mortalidade nem hemorragia major, mas aumentou hemorragia gastrointestinal em 83% enquanto diminuiu hemorragia fatal em 54%. O desfecho clínico líquido permaneceu neutro (HR 1,01). Em 52.721 doentes que não preenchiam os três critérios, DOAC manteve o perfil típico dos ensaios originais: redução de AVC/embolia, mortalidade e hemorragia major, com aumento moderado de hemorragia gastrointestinal.

Análises exploratórias mostraram que um “mix” dominado por rivaroxabano (semelhante ao FRAIL-AF) associou-se a mais hemorragia major e gastrointestinal, enquanto esquemas centrados em apixabano/edoxabano apresentaram menor sangramento.

Comentário: Em primeio lugar, parece que o baixo número de eventos no FRAIL-AF original (29 AVC e 40 hemorragias major nesse comparados com 201 e 551 neste "combinado") explicam grande parte da divergência entre resultados, ilustrando a cautela necessária na interpretação de pequenos ensaios interrompidos precocemente. Em segundo lugar, parece que a escolha de NOAC em si também pode ser importante, favorecendo apixabano e edoxabano - os meus "go to", já agora, mas cuidado com esats sub-análises pois não foi feito ajuste por multiplicidade. Em última instância e de uma forma geral, o COMBINE-AF não chegou a resultados globais muito diferentes, com menor hemorragia fatal e intracraniana mas mais hemorragia gastrointestinal, sem benefício ou risco absoluto que obrigue necessariamente a uma estratégia. Os autores fazem um forte apelo a que se altera a recomendação IIb de mudança de AVK para NOAC nesta população nas guidelines europeias...mais que alterar guidelines sobre temas incertos (discutível fazer recomendações no meio da incerteza - vide WikiGuidelines), diria que a conveniência e preferências do doente e médico podem legitimar a mudança, desde que se pese o perfil de hemorragia (particularmente gastrointestinal) e se escolha o DOAC com melhor evidência de segurança nesta população.


Geral, Geriatria & Paliativos

n = 125, coorte prospectiva multicêntrica (Canadá e Austrália), Abril 2022–Maio 2024

Introdução: A reexposição segura a cotrimoxazol em doentes rotulados como alérgicos a sulfamidas exigia, até há pouco, dessensibilização morosa; a prova terapêutica oral emergiu para doentes de baixo risco, começando com as penicilinas e o "PEN-FAST". O SULF-FAST foi proposto para o mesmo nas "sulfas", mas carecia de validação externa.

Objectivo: Validar prospectivamente o SULF-FAST e descrever resultados em internados e ambulatório.

Métodos: Adultos com história de alergia a sulfamida foram avaliados nos Hospitais McGill (clínica de alergia) e Austin (proactivamente em enfermaria). Após pontuação SULF-FAST, quem obtinha 0–2 realizou prova terapêutica com cotrimoxazol; pontuações 3–5 podiam ter teste cutâneo prévio. Reacções cutâneas severas eram contra-indicação. Desfecho primário: proporção de testes positivos; desempenho diagnóstico do SULF-FAST foi calculado.

Resultados: A mediana de idades foi 60 anos; 72,8% eram mulheres e 38,8% imunocomprometidos; 24,8% estavam internados. A maioria (78,4%) teve pontuação 0–1. Globalmente, 89,6% foram desrotulados. Entre 104 doentes com pontuação <3 submetidos a prova terapêutica, 96,1% tiveram teste negativo; as quatro reacções foram ligeiras (exantema autolimitado ou febre). Contrariamente, 42,9% dos que pontuaram 3 apresentaram teste positivo. Uma reacção ocorrida há >5 anos ou na infância associou-se a teste negativo (P < 0,01). O SULF-FAST exibiu elevada capacidade preditiva negativa e área sob a curva robusta.

Comentário: Esta validação internacional sustenta o uso do SULF-FAST para identificar com segurança doentes que podem realizar prova terapêutica com cotrimoxazol, eliminando a etiqueta de alergia em quase 90% e sem eventos graves. O tempo decorrido desde a reacção é determinante do risco. Limitações incluem tamanho amostral modesto, prevalência elevada de baixo risco e possível viés por só teste cutâneo em pontuações ≥3. Ainda assim, trata-se do maior estudo prospectivo de validação do SULF-FAST, reforçando a sua incorporação rotineira, embora a aplicabilidade por clínicos não especializados mereça avaliação futura.


Imuno-mediadas

n = 10 , série de casos retroprospectivos, Singapura, Malásia e Espanha)

Introdução: A aspirina em baixa dose é recomendada na gravidez para prevenir pré-eclâmpsia em doentes com lúpus, síndrome antifosfolípido ou artrite reumatóide, mas a hipersensibilidade a AINE pode impedir a sua utilização.

Objectivo: Viabilidade e segurança da dessensibilização a aspirina até 150 mg em grávidas com doença auto-imune e hipersensibilidade a AINE.

Métodos: Dez gestantes (mediana 34,5 anos / gestação mediana 12 semanas) foram submetidas a protocolos supervisionados de dessensibilização com escalonamento sequencial de doses em ambulatório ou internamento durante o primeiro trimestre. 7 tinham síndrome antifosfolípido/anticorpos antifosfolípido de alto risco, 2 lúpus eritematoso sistémico isolado e 1 artrite inflamatória. Três utilizavam corticoterapia e hidroxicloroquina; outros regimes incluíram azatioprina, tacrolímus ou adalimumabe.

Resultados: Durante a dessensibilização, três doentes (30%) apresentaram sintomas ligeiros (congestão nasal em duas e urticária/angio-edema em uma) resolvidos com anti-histamínicos ou protocolo alargado; não ocorreu anafilaxia, reacções tardias ou eventos trombo-inflamatórios. Sete mantiveram 100 mg/dia e três 150 mg/dia de aspirina até ao parto. Nove gravidezes (90%) terminaram em nascimentos vivos (idade gestacional mediana 37,1 semanas); uma gravidez prosseguia à data de publicação.

Comentário: Esta pequena série demonstra que a dessensibilização antenatal a aspirina é factível e segura na maioria das gestantes com hipersensibilidade a AINE, permitindo manter a profilaxia anti-trombótica e anti-hipertensiva recomendada para doenças auto-imunes. A gravidez poderá facilitar a tolerância imunológica, mas são necessários estudos prospectivos / ECAs para saber com maior certeza.


Neurologia

n = 53 652 doentes (40 554 Medicare (EUA), 13 098 CPRD (RU)) / n= 158 916 (Medicare (EUA) ≥65 anos)

coortes retrospectivas comparativas, EUA/Reino Unido, 2007-2019

Introdução: Em 2020, a FDA acrescentou ao rótulo da lamotrigina (LTG) um alerta de potencial risco de arritmia ventricular, sustentado sobretudo em estudos pré-clínicos e relatos de caso. A necessidade clínica de confirmar tal sinal - não seria (ou será) a primeira vez que estudos em ratinhos e casos isolados não correspondem à verdade - motivou estudos populacionais comparando LTG com levetiracetam (LEV), considerado neutro para o coração.

Objectivo: Avaliar se LTG aumenta a incidência de taquicardia/fibrilhação ventricular (TV/FV) ou paragem cardíaca súbita (PCS) em adultos com epilepsia, face a LEV.

Métodos:

  1. Estudo Medicare + CPRD: Novos utilizadores sem medicação antiepiléptica no ano prévio; seguimento de 2 anos para TV/FV. Ajustes por demografia, comorbilidades e medicação.

  2. Estudo Medicare ≥65 anos: Novos utilizadores sem história de arritmia/PCS; "ponderação por propensão" (propensity-adjusted) para comparar VA/PCS por 1 000 pessoa-anos.

Resultados:

  • Estudo 1 – HR ajustado para TV/FV LTG vs LEV: 0,73 (0,50-1,08) na Medicare | 0,75 (0,35-1,59) em CPRD

    Incidência cumulativa a 2 anos ligeiramente inferior com LTG (dif. absoluta −0,6% e −0,1%, respectivamente). Análise de sensibilidade (aritmias auriculares, análise por protocolo, cardiopatas) confirmou neutralidade.

  • Estudo 2 – Incidência TV/FV/PCS: 7,0 vs 8,2 por 1 000 pessoa-anos; HR 0,84 (0,67-1,06).

    Subgrupos c/ arritmia prévia ou uso de antiarrítmicos mostraram risco menor com LTG (HR 0,51 e 0,67).

Comentário: Em mais de 200.000 adultos com epilepsia, incluindo idosos cardiopatas, a lamotrigina não conferiu risco acrescido de arritmia ventricular ou PCS comparada com levetiracetam; alguns subgrupos sugeriram até menor incidência (o que também não sei se será verdade). Com isto fico bastante descansado com LTG vs LEV (não confundir que não é vs placebo...) quanto a arritmia cardíaca.

CASOS CLÍNICOS e SÉRIES DE CASOS

Gastroenterologia & Hepatologia

Forma raríssima de peritonite não-infecciosa que surge no pós-parto e se trata com corticoterapia. A ter em conta apesar de bastante desconhecida e <30 casos publicados.


OPINIÃO

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REVISÃO NARRATIVA

Pneumologia

Revisão narrativa, Rúbrica Thing we do for no reason

Habitualmente recorre-se a gasimetrias arteriais (ABG) para diagnosticar insuficiência respiratória hipercárpnica, mas são dolorosas e chatas. No entanto, a prova mais recente sugere que gasimetrias venosas (VBG) podem ser usadas como rastreio inicial de hipercápnia. A rúbrica “Things We Do for No Reason” sintetizou casos e estudos observacionais comparando pares ABG–VBG em exacerbação de DPOC, insuficiência respiratória aguda indiferenciada e doentes entubados, bem como um ECA (VEINART ) que comparou ABG com VBG quanto à dor.

Resumo por tópicos:

  • Diferença média ABG–VBG: pH −0,033; HCO3 1-2mmHg; PvCO₂ ≈+5–6 mmHg.

  • PvCO₂<45 mmHg teve sensibilidade 100% e valor preditivo negativo >98% para excluir hipercárpnia (PaCO₂>50 mmHg) nas três maiores séries de exacerbação de DPOC.

  • PvCO₂ >55 mmHg foi >88% específico para confirmar hipercárpnia; valores 45–55 mmHg requerem contextualização clínica ou ABG confirmatória.

  • Substituir ABG por VBG poderia evitar até dois terços das punções arteriais.

  • No ECA VEINART, VBG reduziu a dor relatada em 14 mm numa escala de 100 mm face a ABG

  • Complicações vasculares (hematoma, trombose, pseudoaneurisma) são exclusivas da via arterial

A evidência acumulada demonstra que uma VBG com PvCO₂<45 mmHg e pH≥7,35 descarta com segurança insuficiência respiratória hipercárpnica, permitindo adiar ou evitar ABG na maioria dos casos. Se PvCO₂>45 mmHg ou pH baixo, a decisão entre tratar empiricamente ou confirmar com ABG deve basear-se na probabilidade clínica e no potencial de alterar a abordagem (estimo que não alteraria na maioria dos casos). A adopção rotineira de VBG como triagem eleva o conforto do doente, aumenta rapidez diagnóstica, reduz custos ocultos e alinha-se com cuidados de alto valor, reservando-se ABG para situações em que o resultado modificará a terapêutica (quais??). Mais recente ainda, temos uma RS da Cochrane a apontar neste sentido, mas o problema é que se baseia em apenas 6 estudos observacionais e séries de casos com doentes muito seleccionados e com pouca patologia.

PERSPECTIVA

Imuno-mediadas

Politiquices à parte, nova política da FDA que, a meu ver (discutível, claro), me parece mais evidence-based



FOAMed

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Geral, Geriatria & Paliativos

A prevenção com IBP (xomo habitualmente até se costuma fazer) parece prevenir ligeiramente a DUP, com baixa certezxa de prova. Apenas 1 ECA pequeno e com limitações a dizer que talvez os anti-H2 sejam melhores, mas ainda menor certeza neste achado.



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