Julho de 2025 - #2 Simketamina ou Képticamina?
- esFOAMeados Portugal
- 12 de jul.
- 14 min de leitura

No substack: esFOAMeados No patreon: esFOAMeados Em podcast: Hipótese Nula
TABELA DE CONTEÚDOS
SINOPSE
🎂 Nata da nata
- Ablação de FA --> Reduz desfechos a longo-prazo apesar de aumento do risco a curto-prazo de AVC (18 ECAs, AIM)
- Depressão Major --> Estimulação eléctrica transcraniana melhorou desfechos! (88 ECAs, JAMA NO)
- Benzodiazepinas --> Estratégias de desprescrição com possível eficácia mas incerteza (49 ECAs, BMJ)
🍰 Nata
- Cetamina intranasal --> Sem aparentes diferenças de eficácia vs cetamina e morfina endovenosa (IJCI)
- Oxazolinidonas --> Novas alternativas à linezolida testadas na tuberculose com segurança em fase 2b (Lancet ID)
- Esquizofrenia --> Realidade virtual para alucinações auditivas com ligeiro benefício...(Lancet Psychiatry)
- Ventilação mecânica --> Alvo de SatO2 indiferente para mortalidade a longo-prazo (UK-ROX, JAMA
- Alimentação entérica --> Sem benefício na mortalidade e dias livres de hospital na UCI (TARGET, JAMA)
🧾Receita
- Alergia ao contraste iodado (ACR & AAAI)
🧐 Observações
- Primários: Morte cerebral e TC (JAMA Neurology) | Variação do DNA circulante e prognóstico no CCR metastizado sob IT (JAMA Oncology) | SpO2/FiO2 vs PaO2/FiO2 (CCM)
- Casos e séries: Ataxias de surgimento tardio ("LOCA") e Ataxia espinhocerebelar 27B - 1º caso em Portugal (AMP)
🌎FOAMed
Taquipneia e padrões (RebelEM) | Neutrófilos e diferenças populacionais (Curious Clinicians)
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REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs

Cardiovascular
n=? / 18 ECAs, revisão sistemática com meta-análise, vários países, 1987–2025 seguimento mínimo ≥1 mês)
P – Adultos com fibrilhação auricular
I – Ablação (cateter ou cirurgia)
C – Terapêutica médica (antiarrítmicos ± anticoagulação)
O 1º » MENOS AVCi após 30 dias: Cateter: RR 0,63; IC95% 0,43–0,92 | Cirurgia: RR 0,63; IC95% 0,37–1,06 (incerto)
O 2º » Menor Mortalidade: Cateter: RR 0,73; IC95% 0,60–0,88 | Cirurgia: RR 0,90; IC95% 0,70–1,15
» Menor Internamento por IC: Cateter: RR 0,68; IC95% 0,55–0,85 | Cirurgia: RR 0,90; IC95% 0,60–1,35
» Mais AVCi ≤30 dias c/ catéter: RR 6,81 (1,56–29,8) / Igual/Menos AVCi >30d: RR 0,77 (0,,55–1,09)
Comentário: Esta meta-análise mostrou que a ablação por catéter reduziu eventos clínicos relevantes (AVC tardio, mortalidade, hospitalização por IC) comparativamente ao tratamento médico, embora à custa de maior risco de AVC precoce (periprocedimento). Já os efeitos da ablação cirúrgica são mais incertos, com possível benefício na prevenção de AVC mas sem impacto claro nos restantes desfechos. A ausência de dados ao nível individual e a heterogeneidade dos ensaios (incluindo falta de ocultação) limitam a força conclusiva dos resultados.
Conclusão: A ablação por cateter reduziu o AVC isquémico tardio, mortalidade e hospitalizações por IC na FA
Geral, Geriatria & Paliativos
n = >39.000 / 49 ECAs / 58 publicações, ocultação variável, internacional, até Agosto 2024
P – Adultos a usar benzodiazepinas e fármacos sedativos-hipnóticos (BSH) para insónia
I – Intervenções activas para desprescrição de BSH (educação, revisão terapêutica, TCC, mindfulness, entre outras)
C – Cuidados habituais ou placebo
O 1º » Educação (14%), revisão (10%) e farmacêuticos (50%) podem aumentar desprescrição, baixa certeza
O 2º » Educação do doente provavelmente sem impacto na função física, saúde mental ou insónia, certeza mod
» Nenhuma intervenção aumentou desistências ou abandono
Comentário: Revisão robusta, com avaliação GRADE formal e mais de 49 ECA incluídos. Parecem haver benefício com educação do doente, revisão de medicamentos e intervenções farmacêuticas, mas quase todos os efeitos positivos são de baixa certeza, e os efeitos mais expressivos (ex: intervenção farmacêutica) carecem de replicação e detalhe. Não houve evidência fiável para a maioria das restantes estratégias (ex: CBT, mindfulness, motivação, educação médica). A ausência de malefício relevante é reconfortante, mas o impacto funcional e clínico também parece nulo. Globalmente, faltam ensaios com bom desenho, ocultação adequada e seguimento clínico significativo — e sobretudo nenhuma intervenção demonstrou superioridade com grau de certeza moderado ou alto.
Conclusão: A evidência sobre estratégias de desprescrição de BZD e análogos é baixa; educação do doente, revisão da medicação e acções lideradas por farmacêuticos podem ser úteis
Psiquiatria
n = 5 .522 / 88 ECAs, duplamente ocultos ou controlados por sham, meta‑análise internacional, 2000‑2024
P – Adultos com Depressão + Major (MDD) ou c/ comorbilidade psiquiátrica (DPC) ou médica (DMC)
I – Estimulação eléctrica transcraniana (tES)
» tDCS (corrente directa) – 104 braços | tACS (corrente alternada) – 7 braços | tRNS (ruído) – 3 braços
» Doses típicas: 1–2 mA, 20–30 min, 10–20 sessões
» Alguns ECAs c/ tDCS combinaram fármaco ou psicoterapia
C – tES Sham ou tratamento habitual (fármaco, psicoterapia ou ambos)
O 1º » MENOR gravidade da depressão (escala padronizada)
• tES global vs sham → SMD –0,59 (IC –0,83 a –0,35)
• MDD isolada: SMD –0,22 (fronteira da significância) | DMC: SMD –1,05 | DPC: –0,78 benefício moderado
• tACS na MDD: SMD –0,58, OR de resposta 2,07
O 2º » Resposta (≥50 % melhoria) / Remissão:
» Melhor se tDCS + medicação vs medicação: SMD –0,51 , OR resposta 2,25
» Sem benefício claro se tDCS + psicoterapia
» Sem benefício com tRNS
» Melhor se tES no Córtex pré‑frontal dorsolateral esquerdo
» Mais EAs ligeiros‑moderados (cefaleia, parestesias) / Sem efeitos graves relatados.
Comentário: Esta síntese de dezenas de estudos demonstra que a forma mais comum de tES - tDCS - beneficiou sobretudo depressão com comorbilidades médicas ou psiquiátricas, enquanto que, na MDD isolada, o efeito é modesto a incerto – melhorquando se associa a fármaco. Por sua vez, a forma alternativa - tACS - embora com menos ensaios, mostrou eficácia na MDD. O benefício médio (~0,6 DP) correspondeu a uma redução de ≈3‑4 pontos nas escalas MADRS/HDRS – limiar habitualmente considerado clinicamente relevante. A grande limitação, difícil de eliminar em qualquer RS nesta área, é a grande heterogeneidade dos diferentes protocolos. Depois, amostras pequenas em tACS/tRNS e qualidade “baixa a moderada” na maioria dos desfechos.
Conclusão: A tES é globalmente bem tolerada e oferece benefício modesto/moderado, sobretudo em combinação.
ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

Doente crítico/urgente
n = 120, duplamente oculto, centro único, Irão, 2024
P – Adultos com fracturas ósseas dolorosas em serviço de urgência
I – Cetamina intranasal (1 mg/kg) ou cetamina endovenosa (0,5 mg/kg)
C – Morfina endovenosa (0,1 mg/kg)
O 1º » IGUAL redução da dor (NRS) aos 15, 30 e 60 minutos: RR? Valor absoluto? (p = 0,77)
O 2º » Sem diferença significativa quanto aos EAs (cetamina intranasal apenas com EAs minor)
» Igual interacção tempo-fármaco também não significativa (p = 0,58)
Comentário: Este ensaio pequeno e num centro único bastante diferente do nosso sugere que a cetamina intranasal é comparável à morfina e à cetamina endovenosa no controlo da dor aguda por fracturas em contexto de urgência. A ausência de diferenças significativas na intensidade da dor ou nos efeitos adversos reforça o potencial da via intranasal como alternativa prática e eficaz, especialmente útil em contextos de difícil acesso venoso ou necessidade de analgesia rápida. O desenho duplamente oculto confere validade, embora a dimensão amostral limitada e a ausência de dados funcionais ou de satisfação limitem a generalização. Acima de tudo, não ter acesso aos valores de risco relativo e absoluto deixa-me com bastantes reservas - porque não os puseram no resumo? Hmm...de qualquer forma, é uma via com muito potencial deste fármaco da moda.
Conclusão: A cetamina intranasal pode ser tão eficaz quanto a cetamina EV ou morfina EV no alívio da dor por fractura
n=16.500, multicêntrico em 97 UCIs no Reino Unido, 2021-2025
Mais um ECA a demonstrar que o alvo de SatO2 mais liberal não prejudica os doentes. Como os autores hipotizaram que o o alvo mais liberal reduziria mortalidade, a conclusão dá um tom de negatividade mas não se iludam: foi positivo para que usemos um alvo mais liberal na medida em que fica tudo mais simples - less is more.
n=3300, multicêntrico em 8 UCIs na Austrália e Nova Zelândia, 2022-2023
Aumentar a quantidade de proteína na nutrição entérica não reduziu os desfechos de mortalidade e dias livre de hospital. Repetindo o mantra, less is more meus caros.
Geral, Geriatria & Paliativos
n = 141, duplamente oculto, 3 centros (3 SUs), EUA (Boston, Massachusetts), 2022–2024
P – ≥50 anos com doença grave (sobretudo neoplasia metastática, demência ligeira) e clinicamente estáveis no SU
I – Entrevista motivacional + Conversa estruturada (enfermeiro) + Reforço ao médico (presencial ou tablet até 1S)
C – Cuidados habituais no SU
O 1º » IGUAL envolvimento auto-relatado no planeamento antecipado de vontade (escala 1–5): 3,37 vs 3,32; p = 0,58
O 2º » MAIOR documentação de conversa sobre doença grave: 3M: 24% vs 10% (p = 0,03) | 6M: 31% vs 13% (p=0,008)
» Mais/Iguais doentes discutiram preferências com médicos - 17,1% vs 7,0%, dif. absoluta +10%, mas p=0,07
Comentário: A intervenção estruturada no SU não aumentou o envolvimento subjectivo (auto-relatado) dos doentes na decisão do planeamento antecipado de vontade, mas duplicou / triplicou a documentação de conversas clínicas relevantes sobre doença grave, com tendência numérica para mais discussões clínicas entre doente e médico. Embora, para quem esteja habituado a ler o blogue ou familiarizado com a medicina baseada na prova, o desfecho primário seja sempre o grande desfecho a reter do ECA, neste caso, importa-me muito mais os desfechos secundários. A sensação do doente no seu envolvimento no PAV é importante mas influenciável e subjectiva, pelo que dou mais importância ao acto de se ter falado sobre doença grave. O problema é que, com esta amostra tão pequena, é díficil confiar com segurança na magnitude destes desfechos. Por outro lado, também é importante reter que, por alguma razão, apesar de se ter falado mais sobre doença grave, os doentes acharam que isso não influenciou mais a sua envolvência no PAV (seria doentes já com muita envolvência de base? sendo americanos de Boston, desconfio que sim...). No meio disto tudo, estes resultados podem traduzir um sinal de que o SU, mesmo fora de contexto agudo crítico, pode ser um ponto estratégico para iniciar conversas difíceis. A metodologia foi relativamente sólida, mas, como disse, o desfecho primário subjectivo pode não captar bem o impacto real da intervenção, e faltam desfechos mais dirigidos ao doente como resultados sobre mudanças concretas na abordagem, hospitalizações ou tratamentos intensivos - coisas com interesse mais palpável para o doente (embora não menosprezo o benefício subjectivo de uma boa conversa de prognóstico, é preciso saber se isso se traduziu em algo).
Conclusão: A abordagem estruturada liderada por enfermagem no SU não aumentou o envolvimento subjectivo do doente na PAV, mas melhorou substancialmente a documentação clínica de conversas sobre doença grave.
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
n=75, não-oculto, 4-5 centros na Tanzânia e África do Sul, 2021-2022
Trago estes ensaios ainda em fase 2b e sem comparador activo apenas porque estas novas oxazolidinonas poderão ser uma alternativa futura à linezolida com maior segurança. Estarei de olho.
Psiquiatria
n = 270 (339 rastreados), não-oculto, avaliador mascarado, multicêntrico, Dinamarca, 2020–2023
P – Adultos com esquizofrenia e alucinações auditivas verbais há ≥3 meses, resistentes à medicação
I – Terapia assistida por realidade virtual imersiva (Challenge-VRT): 7 sessões semanais + 2 sessões de reforço
C – Tratamento habitual melhorado, com igual duração e frequência
O 1º » Menor gravidade das alucinações (PSYRATS-AH) às 12S: dif. média ajustada –2,26 [–4,26 a –0,25]; p = 0,027; d=0,27
O 2º » Menor frequência das alucinações:
12 semanas: –0,84 [IC95% –1,53 a –0,14]; p = 0,018
24 semanas: –0,86 [IC95% –1,65 a –0,07]; p = 0,03
» Sem diferenças no impacto funcional ou em escalas de relação com a voz
» Sem grande diferença nos EAs mas 6 EAs graves (5 exacerbações com internamento + 1 auto-agressão)
Comentário: Trago este ECA sobretudo para mostrar que nem tudo o que é novo e moderno é bom e para alertar a malta para olhar com calma para um ensaio antes de assumir os resultados com base em conclusões. Em primeira vista, o ensaio mostrou que a realidade virtual imersiva (Challenge-VRT) reduziu modestamente a gravidade e frequência das alucinações auditivas em doentes com esquizofrenia refractária. Mas calma...a magnitude do efeito é modesta (Cohen’s d 0,27) e sem impacto significativo nas dimensões mais funcionais ou com impacto em qualidade de vida (como funcionalidade ou aceitação da voz), sugerindo benefício potencial mas limitado. O desenho é relativamente robusto, com ocultação e intervenção co-construída com utentes, mas não houve ocultação dos participantes (seria bem difícil, é verdade...mais criatividade é sempre bem-vinda!) e houve uma considerável fatia de doentes rastreados não incluidos no ensaio, o que levanta sempre dúvidas sobre viés de selecção. Mais preocupante, ocorreram 6 EA potencialmente relacionados com a intervenção (5 exacerbações com internamento + 1 auto-agressão). Importa avaliar o custo, durabilidade do efeito e comparabilidade com terapias mais acessíveis.
Conclusão: A Challenge-VRT (realidade virtual) reduziu ligeiramente a gravidade e frequência das alucinações auditivas naesquizofrenia resistente, mas com impacto funcional incerto e alguns EA sérios relacionados.
NORMAS DE ORIENTAÇÃO CLÍNICAS - GUIDELINES

Imuno-mediadas
Sociedades: American College of Radiology | American Academy of Allergy, Asthma & Immunology
Tema: Abordagem de reacções prévias a meio de contraste iodado (MCI)
Contexto:
Reacções ao MCI podem ser imediatas (<1h) ou tardias (>1h).
Imediatas subdividem-se em:
Ligeiras: urticária, prurido faríngeo, rinorreia.
Moderadas: urticária intensa, angioedema ligeiro, sensação de aperto na garganta, pieira.
Graves: angioedema com hipoxia, hipotensão, envolvimento multissistémico.
Tardias: Exantemas ligeiros, urticária tardia ou reacções cutâneas graves (SCAR) como S. Stevens–Johnson.
Recomendações:
Documentar cuidadosamente: nome do MCI usado, tipo de reacção e intervalo até ao início dos sintomas.
Reacções imediatas:
Ligeiras: Não pré-medicar + Usar MCI diferente.
Moderadas: Trocar de MCI +- Considerar pré-medicação (decisão partilhada).
Graves: Considerar estudo alternativo sem MCI ou Se não viável, trocar MCI e pré-medicar.
Reacções tardias - Dados limitados:
Maior risco de reacção cruzada entre MCI.
Pode haver benefício em corticóides orais periprocedimento.
Evitar totalmente MCI se história de SCAR.
Outros:
“Alergia ao iodo” e "alergia a marisco" não são CI para MCI e não indicam necessidade de pré-medicação.
Episódios de anafilaxia a MCI devem ser tratados como qualquer anafilaxia --> Adrenalina IM + Triptaste <2h
A evidência que suporta a pré-medicação é fraca, baseada em estudos antigos com MCI de alta osmolaridade. Esta guideline recomenda priorizar a troca de MCI e reservar a pré-medicação para reacções moderadas (caso a caso) ou graves (necessária se uso de MCI). Os regimes típicos de pré-medicação:
PDN 50 mg às 13h, 7h e 1h antes do MCI ou MetilPDN 32 mg às 12h e 2h antes (com ou sem anti-histamínico).
Desfaz-se também dois mitos: Não há alergia ao iodo (nutriente essencial) e não há reacção cruzada com marisco.
ESTUDOS OBSERVACIONAIS

PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS
Doente crítico/urgente
Clinical performance of Spo2/Fio2 and Pao2/Fio2 ratio in mechanically ventilated ARDS patients | Crit Care Med
n = 258, sem ocultação, coorte etrospectiva, Itália, datas não especificadas (começou em 2016)
Neste estudo ultra pertinente - vide discussões sobre SpO2 vs PaO2 no EMCrit, PulmCrit e outros - comparou-se a razão SpO₂/FiO₂ (monitorização não invasiva por oximetria de pulso) com a razão PaO₂/FiO₂ (gasometria arterial) na classificação da gravidade da SDRA (ARDS para quem só curte bailes americanos) e na resposta ao aumento de PEEP, em doentes ventilados invasivamente. Usaram-se limiares de estudos anteriores: SpO₂/FiO₂ <148, 148–235 e 235–315 correspondem a SDRA grave, moderada e ligeira. Houve associação não linear entre ambas as razões, com concordância moderada (ICC 0,63). A SpO₂/FiO₂ < 235 identificou correctamente 89% dos doentes com shunt venoso ≥ 20%, de forma semelhante a PaO₂/FiO₂ < 200. Não se observaram diferenças nas características ventilatórias, imagiológicas ou de mortalidade entre as classes definidas por SpO₂/FiO₂ vs PaO₂/FiO₂. A correlação manteve-se robusta mesmo com pH tão baixo como 7,2. Portanto, este estudo apoia a SpO₂/FiO₂ como substituto fiável, não-invasivo e "zentensivista" (vide artigo sobre zentensivism) da PaO₂/FiO₂ na estratificação da SDRA e resposta a PEEP.
Neurologia
n = 282, ocultação, coorte prospectiva, estudo de diagnóstico, multicêntrico, Canadá, 2017–2021
Este estudo procurou saber a acuidade diagnóstica da perfusão cerebral por TC do tronco cerebral e encéfalo e da angio-TC cerebral para confirmar morte por critérios neurológicos (DNC) em comparação com o exame clínico. Resultados:
Perfusão TC qualitativa do tronco cerebral: sensibilidade 98,5% (95,8–99,7), especificidade 74,4% (63,2–83,6)
Perfusão TC de todo o encéfalo: sensibilidade 93,6% (IC95%, 89,3–96,6), especificidade 92,3% (IC95%, 84,0–97,1)
Angio-TC: sensibilidade entre 75,5% e 87,3%, especificidade entre 89,7% e 91,0%
Nenhuma das modalidades atingiu o limiar pré-especificado de validade (≥98% de sensibilidade e especificidade)
Fiabilidade interobservador elevada (κ 0,81–0,84)
Sem eventos adversos graves; 5% com eventos ligeiros e autolimitados
Portanto, a avaliação clínica permanece indispensável para o diagnóstico de morte por critérios neurológicos.
Oncologia
n = 74 / 99, ocultação, análise secundária pré-especificada de ECA (SAMCO-PRODIGE 54), França, 2018–2021
O DNA tumoral circulante (ctDNA) é uma ferramenta analítica com potencial bastante promissor na prognosticação de cancro e respectiva resposta a tratamento. O pressuposto teórico é que este DNA é libertado pelas células tumorais durante processos de necrose e apoptose, sendo, portanto, a sua variação no sangue proporcional à resposta. Esta subanálise pré-especificada procurou saber se a variação precoce do ctDNA prediz a resposta a imunoterapia e desfechos de longo prazo no carcinoma colorrectal metastático com instabilidade de microssatélites (MSI-H) ou défice de reparo do emparelhamento (dMMR) tratado com avelumabe ou quimioterapia(± agente alvo). A avaliação de ctDNA centrou-se nos genes WIF1 e NPY, medido no início (V1) e 1 mês após tratamento (V2), sendo a variação definida como "ΔctDNA = (V1−V2) ÷ V1".
Resultados principais:
n = 99 com ctDNA basal / n = 74 com ctDNA V1 e V2
A positividade basal de ctDNA não se associou a sobrevida
ΔctDNA baixa (abaixo da mediana de variação) associou-se a:
Pior Sobrevida Livre de Doença: HR 2,98 (IC95%, 1,77–5,01), p < 0,001
Pior Sobrevida Geral (SG): HR 3,61 (IC95%, 1,81–7,17), p < 0,001
Na imunoterapia (avelumabe):
ΔctDNA associou-se fortemente à SG: HR 17,4 (IC95%, 3,82–79,7)
Comparação entre braços:
ΔctDNA no "Avelumabe vs QT nos respondedores": HR 0,33 (IC95%, 0,14–0,77), p=0,008
ΔctDNA no "Avelumabe vs QT nos não-respondedores": HR 1,32 (IC95%, 0,67–2,62), p=0,42
Avaliação combinada "RECIST (critérios de resposta baseados em TC) + ctDNA" discriminou melhor a SG
Análise multivariada: Sem ΔctDNA → risco de progressão/morte com avelumabe: HR 7,27 (2,23–23,7), p=0,001
Portanto, apesar de o ctDNA basal não ter tido valor prognóstico isolado, a variação ao fim de 1 mês correlacionou-se fortemente com sobrevida, sobretudo em doentes sob imunoterapia. A resposta molecular precedeu e melhorou a avaliação imagiológica, sugerindo utilidade para guiar decisões terapêuticas precoces (ex: escalonamento, mudança ou descontinuação). Os HRs extremos na imunoterapia sugerem que a ausência de queda no ctDNA identifica doentes com uma espécie de resistência primária aos ICIs, um subgrupo até agora difícil de caracterizar.
CASOS CLÍNICOS e SÉRIES DE CASOS
Neurologia
Um excelente exemplo de uma boa e útil publicação de caso clínico. Pelos vistos, este tipo de ataxia de surgimento tardio (LOCA em inglês) chamado ataxia espinhocerebelar 27B, de transmissão autossómica dominante por mutaçãoes no gene FGF14, é uma causa comum de LOCA na Europa, sobretudo se entre os 50 e 70 anos e se apresentação "pancerebelar". Duas particularidades de distinção das outras ataxias herditárias / LOCAs são apresentação por episódios com triggers - os triggers frequentes são exercício físico, álcool e café - e ausência de disautonomia (diferencial com atrofia multisistémica - do tipo C). Este foi o 1º caso reportado em Portugal. O riluzole tem sido usado off-label e neste caso pareceu agravar (viés observacional?). Olho nas LOCAs!
FOAMed

Cardiovascular
MDCalc Wars: HEART Score Vs. EDACS | RebelEM

Curiosa esta sistematização dos doentes com taquipneia em 2 grandes grupos consoante o volume corrente. Gostaria de saber o quão validado e está estudado está isto, mas começarei a usar empiricamente e a notar se funciona.
Hematologia
Muito interessante explicação da origem da contagem de neutrófilos mais baixa nas pessoas de ascendência africana ocidental! Também explica a maior resistência destes â malária. Leiam.
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PATREON patreon.com/esFOAMeados | SUBSTACK https://esfoameados.substack.com/
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ABA - Aumento de Benefício Absoluto | ARA - Aumento de Risco Absoluto | EBM - Evidence-based medicine | ECA - Ensaio controlado e aleatorizado | ITT - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NIT - Non-inferiority trial | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RR - Redução Relativa | RRA - Redução do Risco Absoluto | RS - Revisão Sistemática




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