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Foto do escritoresFOAMeados Portugal

Junho de 2023 - #1 Somos todos dráculas modernos

Atualizado: 30 de jun. de 2023

No substack: esFOAMeados


TABELA DE CONTEÚDOS

 

SINOPSE


🎂 Nata da nata

- Choque Séptico --> Hidrocortisona

- Artrite Reumatóide --> Bioequivalentes eficazes e até mais seguris

- Neoplasia da próstata --> Anti-androgéneos de 2ª-G causam pior função cognitiva, mais fadiga e quedas


🍰 Nata

- CVC e plaquetas 10-50 --> Não transfundir foi inferior (mas não-inferior se VJI)

- Amigdalite recorrente --> Amigdalectomia reduziu em alguns dias a odinofagia

- Pé diabético --> Osmolol tópico superior a gel placebo? Não consigo perceber

- DM2 --> Danuglipron é um novo aGLP1 oral

- Infecções respiratórias da comunidade --> Uso de PCR reduziu prescrição de abt

- AVCi s/ oclusão de vaso --> Tirofibano eficaz? Muitas limitações...

- POCUS --> Bom na fractura distal de rádio em crianças


🧐 Observações

- Primários: Real utilização de iSGLT2 nos EUA | iSGLT e anemia na DRC | Colchicina na osteoartrose/osteoartrite? | Insulina SC no tratamento de CAD lig-mod | Sedação paliativa contínua e mortalidade | Linezolida+PipTazo nas IPTM necrotizantes | ECAs oncológicos com desfechos primários alterados |

- Casos e séries: Alcaptonúria e válvula aórtica pigmentada (ocronose) | Sífilis maligna


Opiniões

- Perspectiva: 5 novidades de 2022 na Medicina Interna | Normas e ética de escrita de artigos (boa AMP!) | Viés da novidade | Mandatos de vacinas em adolescentes


🌎FOAMed

Nova guideline da NICE de TCE | Paracetamol vs Hidromorfona em idosos | 4 pilares da ressuscitação no trauma

 

REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs

Doente crítico/urgente

24 ECAs (17 c/ IPD e 7 c/ mortalidade) / n=8.528

P - Choque séptico + uso adjuntivo de hidrocortisona

I - Hidrocortisona até dose máxima 400mg/d e duração máxima de 72h

C - Habitual ou Placebo

O 1º » IGUAL mortalidade (tendência numérica para menor)

(tendência para menor mortalidade se hidrocortisona + fludrocortisona)

2º » Mais dias livres de vasopressor - 1.24 dias

» Vários desfechos secundários iguais

» Iguais infecções e hipoglicémia

» Mais hiponatrémia e miopatia

Comentário: Esta RS não traz nada de muito novo, mas relembra algumas coisas. Confirma que os benefícios dos corticóides no choque séptico são ténues mas talvez existentes no doente certo (daí as diferentes indicações em diferentes guidelines), reforça a dúvida do acrescento da fludrocortisona (embora não me pareça real, leiam o Josh Farkas sobre isso) e desmistifica os medos exagerados de infecção com corticóide de utilização curta. Sei que ainda é muito embrionário, mas (sobretudo) a erva chinesa e o azul de metileno pareceram mais surpreendentes nos recentes ensaios. Ainda muito cedo, claro, falta replicação, mas aguardamos.

Conclusão: Hidrocortisona não diminui consistentemente mortalidade no choque séptico, mas acelera desmame de vasopressores, com aumento de hiponatrémia e (ligeiro) de miopatia.

Esquema furtado ao excelente resumo do PulmCrit: Steroids in septic shock: Four misconceptions and one truth


Imuno-mediadas

25 ECAs head-to-head / n=10.642, PROSPERO/PRISMA, PubMed/Embase/CCRCT/LILACS, 09/2021

P - Artrite Reumatóide moderada-grave c/ MTX prévio + Tratamento com anti-TNFa

I - Bioequivalentes anti-TNFa - adalimumab, etanercept e infliximab

C - Originais anti-TNFa - adalimumab, etanercept e infliximab

O 1º » IGUAL eficácia (ACR20) aos 6 meses

» IGUAL disfunção (HAQ-QI) aos 6 meses

2º » Igual eficácia com ACR50 e ACR70

» Menos EAs

Comentário: Supreendente?...ou não? Bem, já suspeitava e até conhecia alguns estudos que faziam jus ao conceito de equivalência bio. Mas 25 ECAs de comparação directa a demonstrar igual eficácia e até maior segurança? Primeiro, tomara muitos fármacos terem este grau de prova comparativa head-to-head e, segundo, porque ainda não os estamos a usar? Legalidade, lobby, inércia...?

Conclusão: Bioequivalentes de anti-TNFa usados na artrite reumatóide igualmente eficazes e mais seguros.


Oncologia

12 ECAs / n=13.524, PRISMA/CochraneCollaborationTool, Pubmed/EMBASE/Scopus, 09/2022

P - Neoplasia da próstata + Anti-andrógeneos de 2ª-geração + Reporte de função cognitiva, astenia e quedas

I - Anti-andrógenos

C - Vários

O » Função Cognitiva: PIOR - 2 a 8% vs 2 a 3 %, RR 2.1 (1.3-3.4) / 4 ECAs / Sem heterogeneidade

» Fadiga: PIOR - 5 a 45% vs 2 a 42 %, RR 1.3 (1.1-1.5) / 12 ECAs / Heterogeneidade

» Quedas: PIOR - RR 1.9 (1.3-2.8) / 6 ECAs / Heterogeneidade

Comentário: Reunião importante de evidência sobre os anti-androgéneos utilizados na neoplasia da próstata, os de segunda geração: inibidores da síntese (abiraterona) ou directamente dos receptores (enzalutamida, darolutamida e apalutamida). A diferença absoluta não é estrondosa (sobretudo para fadiga) e existe heterogeneidade considerável, mas é importantíssimo saber que estes potenciais efeitos tóxicos existem. Sobretudo na função cognitiva. Por outro lado, é facilmente argumentável que, tendo em conta que são medicamentos que potencialmente aumentam longevidade, é normal que causem mais EAs relacionados com a idade. No entanto, os desfechos foram medidos em ensaio controlados e aleatorizados com o mesmo seguimento temporal. Portanto, acho que podemos levar esta toxicidade a sério e discuti-las com os doentes, que têm o máximo de direito de saber os potenciais de riscos do que lhes propomos.

Conclusão: Anti-androgéneos de segunda geração usados no tratamento da neoplasia da próstata pioram função cognitiva, além de aumentarem o risco de quedas e fadiga.



ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

Cardiovascular

Trouxe só isto este ECA para realçar o que não se deve fazer: comparar um fármaco com ele mesmo em doses diferentes para depois argumentar que é eficaz. Sim, foi isto.


Cirurgia, Ortopedia & MFR

n=453 (de 4.165 rastreados), ITT, não-oculto, pragmático, multicêntrico no RU, 2015-2018

P - Amigdalite recorrente c/ indicação para amigdalectomia (critérios SIGN: =>5/ano + >1A + afecta QdV) + >16A

I - Amigdalectomia em ~2 meses

C - Tratamento conservador +- cirurgia após 1-2 anos

O 1º » MENOS dias com odinofagia nos 2 anos - 23 vs 30 dias

2º » Mais EAs - 39 vs ? % (principal EA é hemorragia)

Mais custo-efectiva?

Comentário: Não é de todo a minha área, mas como médico generalista dúvidas de doentes (como a de "deveria tirar as amígdalas??") sempre surgirão. Fica aqui um grande ensaio multicêntrico mas não-oculto e com muita dificuldade de inclusão para tirarmos as nossas ilações. A interpretação não é muito linear, pois, para muitos, 7 dias sem odinofagia em 2 anos pode não justificar uma cirurgia com grande percentagem de efeitos adversos, sobretudo hemorragia. Para outros talvez compense, com eventuais menos idas ao médico e eventual maior custo-efectividade.

Conclusão: Amigdalectomia em jovens adultos com amigdalite recorrente (pelo menos 5 ep./ano e impacto na vida por mais de um ano) reduziu os dias de odinofagia em 2 anos de 30 para 23 dias. Efeitos adversos em 40% dos casos.


Endocrinologia

n=176 / APP de 140, duplamente-oculto, run-in de 1 semana, 2018-2020, 27 centros na Índia

P - Pé diabético

I1 - Esmolol tópico + Cuidados Habituais

I2 - Gel placebo tópico + Cuidados Habituais

C - Cuidados Habituais

O 1º » MAIOR cura de úlcera I1 vs C aos 3 meses - 60.3 vs 41.7 % (OR 1.08-4.17, p=0.03)

2º » Maior cura de úlcera I1 vs C aos 6 meses - 77.2 vs 55.6 % (OR 1.22-5.99, p=0.01)

» EAs em 18%, mas desses, apenas 13% relacionados com fármaco (e comparação??)

????????????????????????????? e comparação I1 vs I2 ??????????????????????????

Comentário: Não consigo perceber a quase total omissão dos resultados no grupo de "intervenção 2". Ou seja, será que um gel qualquer teria os mesmos resultados? Parece que não chegaram a fazê-la. Mas, sendo assim, o estudo fica totalmente enviesado. E, sendo assim, o JAMA deixou que fosse aprovado? Não consigo perceber este tipo de coisas. Muito bom estudo que por aí anda não é aceite, e depois temos isto. Posso estar a perceber isto tudo muito mal, pelo que se alguém perceber isto melhor que eu, tenho todo o gosto em ser contactado. Talvez tenham posto nos suplementos, mas, sinceramente, nem me apetece dar ao trabalho de investigar uma coisa que, obviamente, deveria estar no manuscrito principal.

Conclusão: Esmolol tópico superior a cuidados habituais no tratamento de úlceras de pé diabético, mas incerto se superior a um gel placebo.


n=411, duplamente-oculto, 97 centros em 8 países, 2020-2021

P - DM2

I - Danuglipron bid c/ comida - 2.5 / 5 / 10 / 40 / 80 / 120 mg

C - Placebo

O » MAIOR redução de HbA1C com 120 mg aos 4M -> -1%

» MAIOR redução de AGJ com 120mg aos 4M -> -33mg/dl

» MAIOR perda de peso com 80mg e 120mg aos 4M -> -2kg e -4kg

» MAIS EAs, sobretudo náusea, vómito, diarreia e cefaleia -> entre 10 a 25% a mais

Comentário: Muito bom termos mais um aGLP1 oral no mercado para ver se baixamos os preços. Agora, não me surpreendeu muito...resultados modestos, apenas com doses muito elevados e à custa de muitos EAs (sim, apesar de tudo não muito preocupantes e equivalentes aos já existentes aGLP1 subcutâneos). Também falta prova comparativa directa. Por último, será assim tão vantajoso um produto oral tomado 2x/dia com a comida vs um produto subcutâneo injectado 1x/semana que não deixa grandes marcas? Será para discutir com os doentes. No entanto, repito, excelentes notícias mantermos o estudo de aGLP1 orais! (já agora, será que o semaglutido oral nunca chegará a Portugal?)

Conclusão: Danuglipron, um novo aGLP1 oral, eficaz contra placebo no tratamento de DM2 com alguns EAs ligeiros.


Hematologia

n=373 / 338 na PPA, NIT, não-oculto (apenas investigador), 10 UCI nos Países Baixos, 2016-?

P - Necessidade de CVC (UCI ou Hematologia) + Trombocitopénia 10-50x10^9/L + INR<3 + Sem ACO ou AAD

I - Sem UCP pré-CVC +- outras UCP

C - 1 UCP pré-CVC +- outras UCP

O 1º » NÃO NÃO-INFERIOR hemorragia de grau 2-4 - 11.9 vs 4.8 % (NNH 14)

2º » Não-inferior/Mais hemorragia de grau 3-4 - 4.9 vs 2.1 % (NNH 36, IC 95% do RR 0.75 - 7.93)

» Menos 382 euros por CVC

Comentário: Antes de começar a comentar, acho essencial analisar as características basais e as análises pré-especificadas, que aqui deixo com os meus destaques:




Ou seja, e sobretudo para CVC na veia subclávia, não me parece que tenham sido salvaguardadas as condições de maior segurança de inserção de CVC. Mesmo que a VSC tenha muitas vantagens (e devia ser mais utlizada na minha interpretação do maior e melhor ECA no tema à data, o 3SITES), este não é definitivamente o grupo de doentes em que nos queremos dar ao luxo de arriscar o maior risco hemorrágico. Depois, também estranho o maior risco no departemento de hematologia. Será pela população de maior risco hemorrágico? Será por terem usado menos ecógrafo? É mencionado no artigo vagamente que utilizaram ecógrafo, mas tal não consta do protocolo nem dos critérios de inclusão e, estranhamente, não quantificaram essa importantíssima variável. Terão utilizado em todos? Muito estranho também foi não parecer haver diferenças no grupo com menos plaquetas, o que deixa algumas dúvidas em relação à validade biológica de utilizar um cutoff binário de plaquetas como critério. Por último, os mais 2% de doentes do grupo sem transfusão que receberam transfusão de plaquetas pré-aleatorização pode ter enviesado os resultados na direcção de favorecimento desse grupo. Por enquanto, acho que se mantêm muitas dúvidas. Mas, num doente com trombocitopénia >10x10^9/L e INR<3 em que se coloque CVC eco-guiado na VJI (sobretudo se virmos uma veia bem cheia com a carótida lá longe no ecógrafo), não me parece mal não transfundir.

Conclusão: Estratégia de não transfusão plaquetária pré-colocação de CVC em qualquer veia em doentes com trombocitopénia entre 10 e 50x10^9/L foi inferior. Não foi inferior se apenas considerada colocação na VJI.


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n=39 856, ITT e PPA, pragmático, aglomerados, 48 centros médicos no Vietname, 2020-2021

P - Visita ao centro médico por suspeita de infecção respiratória aguda c/ =>1 sintoma/sinal + 1-65 anos

I - PCR point-of-care

C - Habitual sem PCR

O 1º » MENOS prescrição de antibióticos - ITT: 93.1 vs 98.2 %, aRR 0.83 (IC 95% 0.66–0.93)

PPA: aRR 0.64 (IC 95% 0.60–0.70)

2º » Igual tempo de resolução de sintomas e hospitalizações (mas tendência numérica para menos)

Comentário: Há alguma resistência em alguns sítios contra a utilização de PCR, com argumentos que acho que, muitas vezes, poderiam ser válidos para qualquer análise. Claro que pedir cegamente a todos não faz sentido. Mas nos casos seleccionados, terá provavelmente um papel. Acho que este é ensaio é a prova de isso mesmo, já que a utilização de PCR aconteceu em apenas 15% dos casos e, mesmo assim, reduziu-se a prescrição antibiótica na análise por intenção de tratar. Tudo bem que foi feito no sistema de cuidados primários do Vietname, mas é um bom ensaio para reflectir. Como maior limitação, acho que a prescrição antibiótica foi tremendamente elevada e não sei se replicável.

Conclusão: PCR point-of-care nos cuidados primários vietnamitas reduziu ligeiramente a prescrição antibiótica em suspeitas de infecção respiratória.


Neurologia

n=1.177 (1.616 rastreados), duplamente-oculto e duplamente-idiota, 117 centros na China, 2020-2022

P - AVCi + NIHSS=>5 + =>1 paresia + s/ oclusão de médio/grande vaso + mRS prévio 0-1

» Sem ind. para tPA/TEV ou Não-melhoria após tPA ou Progressão sintomas 24-96h

I - Tirofiban EV 100mg + Placebo PO por 2d » AAS depois até 90d

C - Placebo EV + AAS 150mg PO por 2d » AAS depois até 90d

O 1º » MAIS doentes com mRS 0-1 aos 90d - 22.2 vs 29.1 %, RRA 7% / NNT 14

2º » Igual mRS médio aos 90d - 2 em ambos

» Igual mRS 0-3 aos 90d e outros desfechos secundários

» Igual mortalidade (mas tendência numérica para pior)

» Mais hemorragia intra-cranina - 1 vs 0 %, ARA 1% / NNH 100

» Piores desfechos secundários?

Comentário: Tenho vários problemas com este ensaio. Tudo bem que abre debate no tema e a interpretação não é linear, mas o meu primeiro problema é terem usado um dos braços sem ácido acetilsalícico, quando este é o medicamento à data indicado. Enfim, pode haver argumentos para o terem feito, sobretudo agora que conhecemos o ensaio, mas inicialmente não sei se terá passado devidamente pelo crivo da autorização ética. Depois, como em praticamente todos os ECAs na neurologia, os critérios de inclusão e exclusão são sempre muito apertados, pelo que serão sempre doentes seleccionados. Comentando os resultados em sim, também não fico muito impressionado com a única vantagem óbvia de mais mRS 0-1, quando a média continuou a ser 2 em ambos os braços (vejam o mRS para verem a parca e subjectiva diferença entre mRS 1 e 2...). Isto à custa de mais hemorragia intra-craniana e, possivelmente (talvez num ECA maior), com maior mortalidade.

Conclusão: Tirofibano vs AAS nos 1os 2d após AVC aumentou mRS 0-1 em doentes pós-AVC isquémico c/ NIHSS>4 e pelo menos 1 parésia, sem oclusão de médio/grandes vasos e sem indicação para tPA/TEV ou refractários a tPA, mas com aumento de hemorragia intra-craniana e sinal para aumento de mortalidade.


Técnicas, POCUS, Exames & Outros

Não vou abordar este ensaio como os outros porque é sobre 2 temas sobre os quais sei muito pouco ou mesmo quase nada: pediatria e ortopedia. No entanto, saiu exactamente um dia depois de aprender a utilidade do POCUS no diagnóstico e redução destas fracturas. Interessante, não? :) Desculpem, armei-me um pouco. Vergonha em mim.


ESTUDOS OBSERVACIONAIS


PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS

Cardiovascular

n=49.339, coorte nacional nos EUA, 2021-2022

Neste enormíssimo registo de doentes dos EUA (com aproxidamente a mesma população que a minha querida Évora, para se ter uma noção) com ICFEr sem doentes com DM1, DFG<20 ou intolerância de iSGLT2, iSGLT2 apenas prescritos em 1/5 dos casos. Acho um número muito grave, sobretudo tendo em conta o recente ensaio em que o início precoce de terapia modificadora de prognóstico reduziu muito a mortalidade total numa população quase sem tratamento prévio. Eu tenho algumas críticas ao ensaio, mas depois de ler coisas como este registo percebo o entusiasmo americano com o mesmo, já que a realidade parece ser esta. (não me lembro do nome do ensaio)


Sub-análise post-hoc do DAPA-CKD: n=4.304 / 1.716 c/ anemia

Não adoro sub-análises post-hoc, mas achei esta interessante pelo principal motivo de que um medicamento com prováveis propriedades diuréticas reduziu aumentou o hematócrito e a hemoglobina de vários doentes (quase metade vs menos de um quarto). Como os iSGLT2 têm outros mecanismos propostos, alguns deles até a nível de transcrição celular, podem haver outros mecanismos propostas. No entanto, para mim, é mais um dado a favor dessa propriedade diurética. Por outro lado, talvez parte da anemia destes doentes seja por sobrecarga. Tendo em conta que muitas vezes adoptamos estratégias caras e complexas para DRC com anemia, parece-me muito bom saber isto.


Cirurgia, Ortopedia & MFR

Subanálise do LoDoCo: n=5.522 doentes com DAC, 43 centros Austrália e Países Baixos, Colchicina 0.5mg qd

Nesta análise super embrionária e exploratória, já que neste ensaio não foram recolhidos de forma controlada e sistemática os dados doentes com osteoartrose/osteoartrite (sei que para muitos é sacrilégio lá do estrangeiro, mas eu prefiro o termo osteoartrite para uma artrite relacionada com osteoartrose). Parece que houve uma redução muuuuito ligeira das cirurgias de prótese de joelho e anca no grupo dos doentes sob colchicina. Aguardo estudos dirigidos, de preferência ensaios controlados e aleatorizados.


Doente crítico/urgente

n=177, "antes e depois", 1 SU nos EUA (Saint Louis, Missouri), 2021-2022

Implementação de um protocolo de insulina subctutânea no tratamento de CAD ligeira-moderada, definida como hiperglicemia, cetonúria e anion gap positivo + pH>7.0 e HCO3>10mmol/L. Na prática que eu observo, já é o que a maioria faz, pois um tratamento agressivo implica insulina endovenosa, monitorização e provavelmente UCI. Bom saber que, pelo menos neste estudo, os desfechos não foram piores e até se observou menos tempo no SU com uma média de -3.5 horas.


Geral, Geriatria & Paliativos

n=505 (excluídos ~1000), coorte retrospectiva c/ propensity score, unidade de cuidados paliativos na China, 2018-2022

Nesta grande coorte de doentes com neoplasia terminal internados em unidade de cuidados paliativos, estudou-se um assunto relevantíssimo: a mal-querida sedação paliativa contínua. Tanto amado como odiado por muitos, muitas vezes sem conhecimento da sua indicação clínica: última linha de paliação nos casos refractários. Neste caso, foi utilizada em 40% dos 505 doentes desta coorte de 4 anos, pelo que não é a maioria (parece-me ainda assim um número elevado...será maior que em Portugal ou noutros centros como Reino Unido e Canadá?). Depois de ajuste com propensity score, a mortalidade não parece ser grandemente afectada, com apenas tendência numérica e não estatisticamente signifcativa para 1 dia a menos de sobrevida média (10 vs 9 dias). Por outro lado, eram doentes com mais dellirium, dispneia, sofrimento existencial/psicológico refractário e dor (ovo ou galinha?). Bom estudo para podermos fazer uma interpretação mais rigorosa do que é a sedação paliativa. Dito isto, continuo a achar gravíssimo a prática que às vezes vejo de começar sedação paliativo ainda no SU em casos onde ainda não se iniciou as primeiras linhas, justificada por uma mistura de desconhecimento e cowboyerismo médicos.


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n=274, "antes e depois" (norma hospitalar), 1 hospital nos EUA (Pittsburgh, Pennsylvania), 2018-2021

Neste hospital estaduniense, optou-se por mudar a 1ª-linha de tratamento de infecções necrotizantes de tecidos e partes moles de "piperacilina/tazobactam, clindamicina e vancomicina" para "piperacilina/tazobactam e linezolida". Observou-se os mesmos mortalidade e infecções por clostridioides (com tendência numérica para menor) e menos lesão renal aguda. Atenção: observacional "antes e depois", existindo nestes casos um "efeito de hawthorne" sempre limitativo. Também gostava de ler mais debate sobre a opção de linezolida por stewardshippers, pois tem a teórica vantagem de salvaguarda para enterococcus resistentes a vancomicina. Quanto ao téorico maior custo, já ouvi dizer que é mito. Debate interessante para os nossos hospitais e serviços.


Meta-investigação & MBE

n=755 ECAs, estudo transversal, ensaios de oncologia registados no ClinicalTrials.gov, 02/2020

Já parece ritual. Quase todas as semanas surge meta-investigação deste género na Oncologia. Desta feita, foi o grau de desfechos primários alterados depois do registo do ensaio, algo que é fortemente associado a possível viés, especialmente se não explicado. E o que encontraram estes autores? Desfecho primário alterado em 20% dos ensaios e em 70% não foi mencionado no manuscrito final! Isto é gravíssimo. De todos os que tenho vindo a trazer, este é dos que mais me preocupa, já que é muito difícil de não estabelecer suspeitas (mesmo que infundadas) de viés quando o desfecho primário é alterado a meio do jogo sem sequer aviso final.


CASOS CLÍNICOS e SÉRIES DE CASOS

Cardiovascular

Okay, tudo bem que foi um caso publicado por cirurgiões. Mas porque é apenas mostrada a imagem da válvula num caso que tem mais interesse além da simples imagem da mesma? Nomeadamente, os referidos pontos negros nas escleróticas e orelhas não são mostrados (não mencionado, mas também seria interessante imagens/vídeos da urina!). Em baixo elogio bastante um artigo editorial da AMP, uma revista pela qual tenho bastante apreço dada a sua génese de acesso livre e publicação generalista. Mas não tenho de concordar com tudo...neste caso, diria que poderão ter entrado em jogo factores não controlados pela AMP como ausência das imagens ou dificuldade em consentimento. Mas poderão ter sido (diria que mais provável, mas posso estar engando) limitações de revisão editorial e dos pares e/ou regras estanque de limitação de conteúdo (palavras/imagens/...). Independentemente da causa, gostaria de realçar que, por limitações comuns deste género nas revistas médicas, muita gente se vira hoje em dia para vídeos, podcasts, medtwitter, FOAM... A meu ver, os jornais devem acompanhar esta maior flexibilidade de divulgação de conteúdo. Para o bem de todos!


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

Porque é uma doença que praticamente desconheço na minha prática de médico millenial e porque se prevê que no futuro venhamos a vê-la cada vez mais (por motivos que, hoje em dia, geram cancelamente quando simplesmente discutidos), gosto sempre de ir lendo sobre a sífilis. Topem aí esta forma atípica com "crostas em casca de ostra".



OPINIÃO

PERSPECTIVA

Geral, Geriatria & Paliativos

Nada que não tenha já por aqui andado, mas sempre bom recordar e ver selecções de outros generalistas:

  • Tirzepatide eficaz para o tratamento da obesidade.

  • Hipurato de metenamina para profilaxia de infecção do trato urinário.

  • 150 minutos semanais de atividade física moderada ou intensa reduz a mortalidade.

  • FODMAPs com ajuda de aplicação de smartphone reduziu sintomas da síndrome do intestino irritável.

  • Apixabano com menor risco de hemorragia gastrointestinal e eficácia semelhante (EU: observacional indirecto...)


Meta-investigação & MBE

Artigo de extrema relevância publicado na AMP! Obrigado AMP, por publicares isto. Sim, obectifiquei indevidamente uma revista....talvez hajam casos de grandeza em que se justifique?...falando do artigo, é um tema que TODOS os médicos deviam conhecer, sobretudo os dos serviços que lidam com publicações e internos. A chave está em "guidelines ICMJE". Leiam, é curto.


Nunca esquecer o "viés da novidade", do qual todos (quase) sem excepção padecemos.


Interessante debate para acompanhar. Como o artigo é pago, para vislumbre de acesso livre vejam aqui no twitter da 1ª autora, a estimada Tracy Høeg.


FOAMed

Doente crítico/urgente

Principais novidades e outros bem resumidos. As 3 principais são:

  • Bólus EV de TXA em 2 horas em TCE moderado ou grave (ECG<12) - mesmo sem hemorragia extracraniana

  • TC se anticoagulantes ou antiplaquetários (não monoterapia com aspirina)? Decisão colaborativa.

  • TCE pode causar hipopituitarismo.

Excelente resumo para quem participa na ressuscitação de doentes de trauma assente em 4 pilares:

  1. Controlar a hemorragia

  2. Restaurar a perfusão tecidual

  3. Minimizar a lesão iatrogênica da própria ressuscitação

  4. Promover hemostasia


Geral, Geriatria & Paliativos

Spoiler: Opióide não superior na 1ª-linha


 

ARA - Aumento de Risco Absoluto | EBM - Evidence-based medicine | ECA - Ensaio controlado e aleatorizado | ITT - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NIT - Non-inferiority trial | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RR - Redução Relativa | RRA - Redução do Risco Absoluto | RS - Revisão Sistemática

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