Julho de 2025 - #3 Reclina-te aí, viveremos mais uns anos
- esFOAMeados Portugal
- 5 de ago.
- 10 min de leitura
No substack: esFOAMeados No patreon: esFOAMeados Em podcast: Hipótese Nula

TABELA DE CONTEÚDOS
SINOPSE
🍰 Nata
- AVC --> Cabeceira a 0º até mortalidade diminuiu no AVCi por OGV!! (JAMA Neurology)
- Anemia falciforme --> Anticoagulação terapêutica na S. torácica aguda? Talvez... (AJR-CCM)
- D. Crohn --> Guselkumab pelo menos comparável a outros biológicos (GALAXI-1/2, Lancet)
- SII --> Evicção de glúten e trigo sem vantagem face a placebo "sham" (Lancet G&H)
🧐 Observações
- Primários: Nefrolitíase com topiramato e zonisamida ; Continuidade de cuidados no centro de saúde ; Mycoplasma pneumoniae (Lancet)
- Casos e séries: Spots de Roth e outras causas ; Reflexo de flexão tripla (AIM)
☝ Opiniões
- Perspectiva: Ensaios de braço único e nova metodologia (AIM) | Novidades na infecciologia (CID)
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ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

Gastroenterologia & Hepatologia
n = 1048, duplamente oculto, 2 ECA idênticos multicêntricos (GALAXI-2 e GALAXI-3), 40 países, indústria, 2020-2023
P – Adultos com ≥3 meses de doença de Crohn moderada a grave, sem resposta adequada à terapêutica prévia
I – Guselkumab IV (200 mg sem. 0, 4, 8 + SC 200 mg/4 sem. ou 100 mg/8 sem.) até sem. 44
C – Placebo ou ustecinumab (IV ∼6 mg/kg + SC 90 mg/8 sem.) até sem. 44
O 1.º » MELHOR resposta clínica em ambas as coortes (↓ ≥30% CDAI ou ↓ ≥100 pts sem. 12 + remissão clínica CDAI <150 sem. 48)
– GALAXI-2: 55% (200 mg) vs 49% (100 mg) vs. 12% (placebo) → RRA 43% e 38% (p < 0,0001)
– GALAXI-3: 48% (200mg) e 47% (100mg) vs. 13% (placebo) → RRA 35% e 34% (p < 0,0001)
O 2.º » Melhor Resposta clínica sem. 12 + resposta endoscópica (↓ ≥50% SES-CD) sem. 48
– GALAXI-2: 38–39% vs. 5% → RRA 33–34%
– Em GALAXI-3: 36–34% vs. 6% → RRA 31–28%
» Menos EAs graves - guselkumab 200 mg (7%; 9,7/100 pt-ano) vs. ustecinumab (12%; 18,4/100 pt-ano) e placebo (15%; 23,8/100 pt-ano).
» Não foram reportados óbitos.
Comentário: O guselkumab - inibidor selectivo da Il-23 (vantagem teórica de maior segurança ao não inibir a Il-12, com menor risco teórico de infecções) - demonstrou eficácia robusta em desfechos clínicos e endoscópicos às 48 semanas, superior a placebo e aparentemente com perfil de segurança mais favorável do que ustecinumab. Os resultados foram consistentes entre GALAXI-2 e -3. A resposta precoce (sem. 12) foi preditiva de benefício sustentado. Ambos os regimes de manutenção (100 mg 8/8 sem. e 200 mg 4/4 sem.) mostraram eficácia semelhante, com tendência para menos EA com o regime mais espaçado de 2 em 2 meses. Fica por esclarecer o benefício comparativo face a outros biológicos anti-TNF ou anti-integrinas - o grande crónico problema dos ECAs dos biológicos, o facto de que nunca são comparados - embora pareça que a eficácia seja pelo menos equiparável
Conclusão: A indução endovenosa e manutenção subcutânea com guselkumab melhora significativamente os desfechos clínicos e endoscópicos em doentes com DC moderada a grave, com boa tolerabilidade até às 48 semanas.
n = 29 (101 rastreados), duplamente oculto, cruzado com controlo simulado (sham), Canadá, 2018–2023
P – Adultos com SII (Roma IV) e auto-percepção de benefício com dieta isenta de glúten
I – Ingestão de barras de cereais contendo glúten ou trigo durante 7 dias
C – Ingestão de barras de cereiais sham (sem trigo nem glúten), idênticas no sabor e aspecto
O 1º » Agravamento dos sintomas ≥50 pontos no IBS Symptom Severity Score
• Trigo: 39% (11/28) → Dif. absoluta vs sham: +11%; IC95% –16% a +35%
• Glúten: 36% (10/28) → Dif. absoluta vs sham: +7%; IC95% –19% a +32%
• Sham: 29% (8/28)
O 2º » Efeitos adversos:
• Frequência geral: 93% dos doentes após cada desafio (trigo, glúten ou sham)
• EA emergentes: trigo 18%, glúten 18%, sham 25%
• Nenhum EA grave
Comentário: Entre doentes com SII e suspeita de sensibilidade ao glúten, glúten e trigo não induziram agravamento sintomático maior que o placebo, num ECA com ocultação "sham". O efeito “nocebo” (expectativa de agravamento) parece explicar parte substancial da sintomatologia atribuída ao glúten. A elevada taxa de sintomas também no grupo sham reforça esta hipótese. A implicação prática é a de que apenas uma minoria destes doentes parece ter verdadeira sensibilidade ao trigo ou ao glúten. Evicções alimentares devem ser criteriosas, idealmente após desafio controlado. No entanto, ECA muito pequena e com 2/3 dos inicialmente rastreados excluídos, o que limita conclusões definitivas.
Conclusão: Num grupo seleccionado com SII e auto-percepção de sensibilidade ao glúten, nem trigo nem glúten causaram agravamento sintomático superior ao placebo (ocultação sham).
Hematologia
n = 172, duplamente oculto, multicêntrico, França, 2016–2021
P – Adultos com Anemia Falciforme e S. Torácica Aguda + Angio-TC sem trombose
I – Anticoagulação terapêutica com tinzaparina durante 7 dias
C – Anticoagulação profilática com tinzaparina
O 1º » Menor Tempo até resolução da ACS - HR 0,71; (0,51–0,99); 4,8 ± 0,4 vs 6,1 ± 0,5 dias, dif, média 1 dia, p = 0,044
O 2º » Igual Hemorragia major: 0 eventos em ambos os grupos
» Menos opióides EV -124 mg vs 219 mg equivalentes de morfina, dif. −96 mg; IC95% −202 a −46; p = 0,02
» Iguais transfusões, mortalidade intra-hospitalar e reinternamentos aos 6 meses: semelhantes
Comentário: Este ensaio controlado e duplamente oculto sugere que a anticoagulação terapêutica acelera a resolução da síndrome torácica aguda em adultos com doença falciforme, mesmo na ausência de trombose visível em angioTC. A redução do tempo até à resolução (diferença média de ~1,3 dias) e o menor uso de opióides foi estatisticamente significativa, sem aumento de hemorragia. A hipotética plausibilidade fisiopatológica (microtrombose pulmonar in situ) reforça a validade do sinal observado, mas ausência de impacto noutros desfechos (transfusões, mortalidade, reinternamento) e o tamanho pequeno da amostra (apenas num país) justificam replicação antes de alterar prática.
Conclusão: A anticoagulação terapêutica pode reduzir a duração e sintomatologia da STA na Anemia Falciforme
Neurologia
n = 92, duplamente oculto (avaliação), multicêntrico, EUA, 2018–2023
P – Doentes com AVC isquémico por oclusão de grande vaso (LVO), elegíveis para trombectomia
I – Decúbito horizontal (posição da cabeça a 0°) até à trombectomia
C – Cabeceira elevada a 30°
O 1º » MENOR Agravamento ≥2 pontos na NIHSS - 2 vs 43%, RRA 41% / NNT 2 → HR 34,4 (4,7–254); p < 0,001
O 2º » Menor Agravamento ≥4 pontos na NIHSS - 2 vs 43 %, RRA 41% / NNT 2 → HR 23,6; (3,2–176); p = 0,002
» Igual Pneumonia hospitalar: 0 casos em ambos os grupos
» Menor Mortalidade aos 3 meses - 4,4 vs 21,7%, RRA 17,3 % / NNT 6 → p = 0,03
Comentário: Este pequeno ensaio aleatorizado demonstra benefício substancial da posição horizontal (0°) em doentes com AVC por oclusão de grande vaso à espera de trombectomia. A elevação da cabeceira (30°), prática comum para prevenção de pneumonia, associou-se a agravamento clínico precoce significativo, com mais 41% (NNH de 2, um número estrondoso!) a deteriorar ≥2 pontos na NIHSS e um aumento muito relevante da mortalidade (mais 17% e NNH de 6 para 30º, outro número extraordinário!). A ausência de pneumonia em ambos os grupos enfraquece o argumento preventivo da posição elevada no contexto agudo. A avaliação com ocultação e monitorização intensiva (NIHSS de 10 em 10 minutos) fortalecem os dados, embora o tamanho reduzido e o encerramento precoce do estudo limitem muito a robustez estatística e a certeza dos resultados. No mínimo, temos hipótese montada para um grande ensaio a estudar o assunto e sinal para que, no doente com menos risco de opneumonia, a cabeceira a 0º pode ser essencial. Não nos deslumbremos demasiado pois ECAs pequenos exageram a magnitude do benefício. Aguardemos!
Conclusão: Nos doentes com AVC por LVO a aguardar trombectomia, a cabeceira a 0° pode ser muito benéfica.
ESTUDOS OBSERVACIONAIS

PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS
Geral, Geriatria & Paliativos
n = 4.530.293, coorte retrospectiva, Dinamarca, dados de 2006–2022, seguimento em 2022
Objectivo: Avaliar se a continuidade com a mesma clínica de MGF se associa a melhores resultados em saúde.
Resultados principais (modelos ajustados):
Comparando com utentes com ≥10 anos de inscrição na mesma clínica, os inscritos há 0–1 anos apresentaram:
Maior mortalidade (HR 1,21; IC95% 1,17–1,25)
Menor continuidade entre sectores de cuidados (OR 1,20; 1,13–1,27)
Mais contactos hospitalares não programados (IRR 1,25; 1,21–1,30)
Mais contactos fora de horas (IRR 1,21; 1,17–1,26)
Mais trocas prévias de clínica associaram-se também a piores resultados
Contudo, a manutenção prolongada numa nova clínica atenuou parcialmente esse risco
Conclusão: A continuidade longitudinal na mesma clínica de MGF associa-se a menor mortalidade, melhor articulação entre sectores e menor recurso a cuidados não programados.
Associations of topiramate and zonisamide use with kidney stones: A retrospective cohort study | Am J Kidney Dis
n ≈ 200.000, coorte retrospectiva, EUA, dados de seguros Medicare e comercial, seguimento 3 anos
Estes autores decidiram avaliar risco de litíase sintomática em novos utilizadores de topiramato ou zonisamida, em comparação com não-utilizadores. O pressuposto foi o de que o topiramato e zonisamida aumentam risco de litíase urinária ao aumentarem o pH e diminuirem o citrato urinários. Foram excluídos doentes com eventos litiásicos no ano anterior, grupos emparelhados por idade e sexo e análise por modelo de Cox ajustado.
Resultados:
Litíase renal sintomática em 2,9% dos utilizadores vs 1,2% dos não-utilizadores no seguro comercial (HR 1,58)
Resultados semelhantes na coorte Medicare (HR 1,22)
Risco semelhante entre topiramato e zonisamida
Talvez seja cauteloso evitar estes fármacos se história prévia de nefrolitíase e outros fármacos alternativos, embora a diferença não seja estrondosa e isto seja apenas um estudo retrospectivo.
Conclusão: Topiramato e zonisamida podem aumentar o risco de litíase renal sintomática, embora a diferença absoluta seja modesta.
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
n = 68 laboratórios, estudo de vigilância internacional, 32 países, dados de 01/Abr/2024 a 31/Mar/2025
A reemergência global de M. pneumoniae continuou em 2024–2025, com pico de detecção em 72% dos países e uma curva epidémica bimodal observada em 8 países (incluindo China, Coreia do Sul, Canadá, Itália, Suíça).
Taxas médias de detecção por PCR:
Europa: 12,0%
Ásia: 31,5%
Américas: 5,5%
Oceânia: 4,8%
Resistência aos macrólidos (MRMp) monitorizada em 17 centros:
Europa: 3,0%
Ásia: 60,9%
Américas: 36,5%
Aumentos significativos de resistência em Taiwan, Cuba, Dinamarca e Eslovénia; redução na China e Afeganistão.
Conclusão: A actividade global de M. pneumoniae manteve-se elevada no segundo ano da reemergência, com variação regional. A resistência aos macrólidos permanece elevada na Ásia e requer vigilância contínua.
CASOS CLÍNICOS e SÉRIES DE CASOS
Hematologia
Desconhecia que os "roth spots" poderiam ser causados por anemia grave.
Neurologia
Reflexo de flexão tripla, causado por depressão do neurónio motor inferior e que não tem necessariamente de se apresentar com fraqueza.
OPINIÃO

PERSPECTIVA
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
Estes investigadores seleccionaram o que acharam terem sido as maiores novidades de 2024. Uns mais relevantes que outros, mas fica aqui um bom resumo de coisas que foram saindo.
Novos antibióticos e usos de fármacos antigos:
Infeções urinárias (ITU):
- Os ensaios de fase 3 EAGLE-2 e EAGLE-3 mostraram que o gepotidacina, um antibiótico oral inovador (1º na classe), é pelo menos tão eficaz como a nitrofurantoína no tratamento de ITU não complicadas, com até melhor eficácia microbiológica no EAGLE-3.
- O pivmecilinam, um antigo β-lactâmico oral, recebeu finalmente aprovação da FDA nos EUA em 2024, mantendo-se uma boa opção para ITU não complicadas devido ao baixo potencial resistência.
- Para ITU complicadas por bactérias resistentes, o cefepime-taniborbactam demonstrou superioridade microbiológica vs. meropenem no ensaio CERTAIN-1, embora ainda não tenha aprovação de FDA devido a problemas no fabrico.
Clostridioides difficile:
- O ridinilazole, antibiótico novo e específico para C. difficile, não foi superior à vancomicina na cura sustentada, mas reduziu significativamente as recidivas e preservou melhor o microbioma intestinal.
Sífilis:
- A linezolida foi testado para sífilis precoce mas não mostrou eficácia comparável à penicilina G, com o ensaio interrompido prematuramente por questões de segurança.
Prevenção antimicrobiana:
Pneumonia associada a ventilação (PAV):
- O AMIKINHAL mostrou redução na incidência de PAV com amikacina inalada dada profilacticamente, mas sem impacto em desfechos clínicos relevantes. (entretanto, publicada RS - dados sobretudo deste ensaio - com basicamente as mesmas conclusões que o AMIKNHAL)
- O PROPHY-VAP, com ceftriaxona EV em toma única dado profilacticamente, demonstrou redução de PAV e melhorou vários desfechos clínicos e sobrevida sem aumento da resistência.
Infeções de próteses articulares:
- A adição de vancomicina à profilaxia com cefazolina não reduziu as infecções em doentes sem historial de SAMR, sugerindo que a sua administração por rotina não é benéfica.
COVID-19:
- O nirmatrelvir-ritonavir não demonstrou eficácia na profilaxia pós-exposição em doentes com elevada seropositividade prévia (este fármaco está morto!)
Estratégias para reduzir o uso de antibióticos:
Probióticos: ECA duplamente-oculto mostrou que probióticos vaginais reduziram significativamente as recidivas de ITU e prolongaram o tempo até à primeira ITU.
Doenças respiratórias agudas: Uso de sprays nasais (gel ou solução salina) reduziu o número de dias de doença respiratória e o consumo de antibióticos em doentes com risco aumentado.
Tratamento de infeções por S. aureus:
O ensaio ERADICATE comparou daptomicina com ceftobiprole em bacteriemia complicada por S. aureus, mostrando equivalência sem superioridade do ceftobiprole.
Meta-investigação & MBE
Novo método teorizado para diminuir o viés de ensaios de braço único chamado "RISAT" que me parece ter realmente vantagens. Co-autorado pelo Ioannidis, o que me dá sempre alguma segurança.
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ABA - Aumento de Benefício Absoluto | ARA - Aumento de Risco Absoluto | EBM - Evidence-based medicine | ECA - Ensaio controlado e aleatorizado | ITT - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NIT - Non-inferiority trial | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RR - Redução Relativa | RRA - Redução do Risco Absoluto | RS - Revisão Sistemática




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