top of page

Fevereiro 2023 - #4 Fibrina e oh!, lise.




ARA - Aumento de Risco Absoluto | ECA - Ensaio clínico aleatorizado | ITA - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NIT - Non-inferiority trial | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RRA - Redução do Risco Absoluto | RRR - Redução do Risco Relativo | RS - Revisão Sistemática

SINOPSE


🎂 Nata da nata

Vacina anti-influenza e menos mortalidade na população cardiovascular.


🍰 Nata

Rivaroxabano melhor que enoxaparina na anticoagulação pré-ICP, QT consolidativa melhor que TxMO na 1ª-linha de tratamento da LMA de risco-intermédio, esquema de tratamento de TB pulmonar com 8 semanas possível (!), tenecteplase 0.25mg/kg não-inferior a alteplase e argatrobano adjuvante a alteplase não eficaz no AVC isquémico, palidotomia por ultrassom no parkinson promissora, descontinuação de ITC de 1ª-linha possível no carcinoma de células renais sob tratamento, espaçador de ácido hialurónico para poupar o recto na radioterapia da próstata promissor e cuidado com a cannabis nos doentes a fazer canabinóides orais medicinais.


🧾Receita

Opióides na dor crónica (resumo: evitar sempre que possível!).


🧐 Observações

- Revisões: Investigação no covid-longo de má qualidade, efectivade das vacinas anti-covid assegurada a longo-prazo e programas de stewardship antimicrobiano eficazes.

- Sub-análises: Muito maior bradiarritmia silenciosa e colocação de PM no LOOP trial sem melhoria dos desfechos!!

- Telemedicina equivalente a presencial no seguimento pós-operatório, algoritmo STANDING para diagnóstico diferencial de vertigens sensível e específico, estratégia #opioidfree eficaz, gene produtor de factor IX promissor para tratamento de hemofilia B, transmissão de influenza entre co-habitantes de 50% (aumentou ou mais diagnóstico?) e infeliz baixa exigência da FDA na aprovação de fármacos apesar de ensaios negativos.

- Casos: Nem todo o supra de ST é EAM.


Opiniões

A sopa de galinha como panaceia universal e alteplase pior que antiagregação dupla no avc menor (!).


🌎FOAMed

Haloperidol no SU? (polémica). Zinco para reduzir covid-19?? (polémica!!)

------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------


REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs

Cardiovascular

n=4.187, 5 ECAs, até 2021

Redução estrondosa de mortalidade (melhor se fosse apresentado em números absolutos…ainda assim, RR de 50% é muito), sobretudo se síndrome coronário agudo. Curiosamente, sem diminuição de revascularização, AVC e IC, pelo que parece ser uma protecção directa entre a vacinação anti-influenza e mortalidade. Reforça o que já sabíamos, esta vacina é sobretudo importante nesta população e com reduções absolutas (a meu ver) estrondosas (vejam as RRA e os NNT dos ensaios!).



ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

Cardiovascular

n=2055, NIT, não-oculto, 21 hospitais na China, 2021-2022

P - SCA sem ICP (fora de janela ou pré-ICP)

I - Rivaroxabano 2.5 / 5 mg bid

C - Enoxaparina 1mg/kg bid

*AAS 100mg + Clopidogrel 75mg em ambos

O 1º » Não-inferior (ou superior?) Risco Hemorrágico - 4.7 ou 5.3 vs 6.8 %

Não-inferior (e superior?) MACE - 2.3 ou 2.1 vs 3.4 %

2º » Não-inferioridade (e superioridade?) nos outros desfechos

Comentário: Resultados bastante promissores se acharmos que anticoagulação pré-revascularização é o caminho. Além de não-inferioridade, tendência para superioridade tanto em desfechos de eficácia e de segurança com rivaroxabano, o ideal que todos deveríamos almejar. Agora, sobre a questão de anticoagular em si, em quem e durante quanto tempo, persistem muitas dúvidas…se estiverem interessados, consultem as extensas revisões da FOAMed sobre o tema como Heparin for Acute Coronary Syndromes – TheNNTTheNNT, Mythbusting: Heparin isn't beneficial for noninvasive management of NSTEMI Heparin for Acute Coronary Syndrome: an evidence review - First10EM, Heparin in STEMI and PCI - does it help? - First10EM, Heparin for ACS and STEMI | Journal Jam Podcast | Emergency Medicine Cases.


Hematologia

n=143, ITT, não-oculto, 16 hospitais na Alemanha, 2011-2018

P - LMA risco-intermédio + QT indutora + Dador compatível + 18-60A

I - TxMO alogénico

C - QT consolidativa (citarabina alta-dose) +- TxMO de resgate se falência

O 1º » Igual (ou inferior!) mortalidade a 2 anos - 74 vs 84 %, p=0.22

» Maior SV livre-de-doença a 2 anos - 69 vs 40 %, p=0.001

2º » Maior mortalidade sem-falência a 2 anos - 9 vs 2 %, p=0.005

» Igual QdV

*desfechos iguais se classificação de risco de LMA for MRC ou ELN

Comentário: Exemplo de como melhor disease-free survival pode conviver com pior overall survival. E com isto vos deixo.


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n=674 (de 1179), NIT (12%), adaptativo, não-oculto, 18 centros na Ásia e Uganda, 2018-2020

P - TB pulmonar

IB - RIPEL (RIPE + Linezolida) 8S -> +2S (12S) se TB persiste -> Habitual +12S (24S) se TB persiste

IC - RIPEC (RIPE + Clofazimina) no mesmo esquema de IB

ID - RIPLL (RIP + Linezolida + Levofloxacina) no mesmo esquema de IB/IC

IE - IPELL (IPE + Linezolida + Bedaquilina) no mesmo esquema de IB/IC/ID

C - Habitual (24S = 8S RIPE + 16S RI)

O 1º » Inferioridade com rifampicina-linezolida (IB e ID)

Não-inferioridade (morte, tto activo ou d.activa) com line-beda (IE) - 5.8 vs 3.9 %

2º » Menor duração de tto - 85d c/ line-beda vs 105d c/ line-rifa vs 180d c/ habitual

Iguais EAs graves

Comentário: ECA muito interessante. Esforço conjunto para testar o mínimo tempo possível de tratamento com vários regimes diferentes, maximizando a hipótese de um deles ser eficaz num menor espaço temporal. A forma como os desfechos foi medida foi um pouco estranha, juntaram braços numa mesma medição (os IB e ID). Por outro lado, o braço que “ganhou a corrida” (IE) foi avaliado individualmente. Neste tema complexo (“TB is complex”), exige-se cautela. Aguardo os comentários dos supra-sumo da infecciologia, que hão-de estar aí a intensificar-se no twitter, como este. Concluindo, parece-me que nos doentes de baixo-risco (sem VIH!!), as 8 semanas com o regime “IPELL” (IE) podem ser tentadas, mas extra-cautela à medida que nos afastamos do baixo-risco.


Neurologia

n=1430, NIT, não-oculto (oculto para investigador), 53 centros a Chinna, 2021-2022

P - AVC<4.5h + mRS 0-1 + NIHSS 5-26

I - Tenecteplase 0.25mg/kg (máx 25)

C - Alteplase 0.9mg/kg (máx 90)

O 1º » NÃO-INFERIOR mRS aos 90d - 62 vs 58 % (RR 1.07, IC 95% 0.98–1.16)

2º » Não-inferior hemorragia IC aos 30d - 2%

» Não-inferior mortalidade aos 90d - 7 vs 5 % (RR 1.31, IC 95% 0.86–2.01)

Comentário: Este tema continua a dividir. Sim, a tenecteplase foi não-inferior e tem a vantagem intrínseca de ser muito mais prática. No entanto, i) mantém-se sinal para maior mortalidade já observado noutros ensaios mesmo com esta menor dose de 0.25mg/kg (malefício sobretudo com os 0.4mg/kg do NOR-TEST-2) e ii) o “ser mais prático” pode levar à utilização de trombólise com ainda menor critério no AVC (por exemplo, em AVC menor, apesar de já 2 ECAs negativos no tema).


n=817, não-oculto (oculto para investigador), 50 centros na China, 2019-2021

Neste ECA com adultos com AVC não-menor (NIHSS>5) dentro das 4.5h, a adição de argatrobano a alteplase não foi eficaz. Não fazia ideia que esta experimentação fosse um tema e, na verdade, parece-me uma ideia meio bizarra. Aguardo o dia em que um ECA com metodologia limitada entre pela porta do cavalo e pumba, eis mais um medicamento de lavagem de vaso sistémica no AVC.


n=94, duplamente-oculto, 20 centros em países de vários continentes (++EUA), 2017-2020

P - Parkinson refractário após levodopa

I - Palidotomia por ultrassom

C - Falsa palidotomia por ultrassom

O 1º » MELHOR resposta aos 3 meses - 69 vs 32 %, p=0.003

2º » Melhoria nos desfechos de eficácia

» Mais EAs como disartria, desequilíbrio, alt. visuais/paladar, parésia facial - números?

Comentário: ECA muito pequeno e ainda não consegui ver a magnitude dos efeitos adversos, para saber se a relação risco/benefício será favorável. No entanto, parece-me que foi uma excelente iniciativa e temos as portas abertas para um ECA de maiores dimensões.


Oncologia

n=920 (de ~2k rastreados), NIT, não-oculto, 60 centros no RU, 2012-2017

Não-inferioridade não claramente demonstrada, sobretudo para mortalidade. No entanto, demonstrada para qualidade de vida, pelo que é bastante lícito oferecer a hipótese aos doentes de descontinuar medicação, que devem estar tão fartos dela por vezes. Por outro lado, mesmo no braço que descontinuou a medicação os efeitos adversos foram os mesmos.


n=201 (de 260 incluídos?), oculto para doente, 12 centros (EUA, Austrália e Espanha), 2020-2021

Neste ECA a estudar uma população de adultos com neoplasia prostática localizada (T1-T2, Gleason<8 e PSA<21ng/mL) tratada com RT hipofraccionada, a utilização de um dispositivo “espaçador rectal” com ácido hialurónico foi eficaz em reduzir a quantidade de RT rectal e a reduzir a toxicidade gastrointestinal. Há aqui algumas coisas que não entendo, nomeadamente o facto de o registo no ClinicalTrials.gov não estar disponível (podem ver o link que eles próprios disponibilizam no artigo). Os 13% de doentes perdidos depois de terem assinado o consentimento de uma amostra já por si pequena contribui também para algum viés. No entanto, uma RRA de EAs de ~10% é sempre de valorizar, motivo pelo qual resolvi trazê-lo aqui na mesma.


Psiquiatria

n=18, duplamente-oculto, hospital dos EUA

Este ECA pequeníssimo chegou à conclusão que consumo oral de tetrahidrocarbonetos (aKa marijuana) de adultos que estavam a fazer canabinóide oral leva a maior concentração sérica e efeitos adversos da droga. Num mundo onde os canabinóides apelidados de medicinais são moda, é extremamente importante que tenhamos cautela e apliquemos os mesmos princípios de medicina baseada na prova que aplicamos noutros contextos, e não apenas dizer que sim à cannabis porque moda, dinheiro, pressão pública ou outros.



NORMAS DE ORIENTAÇÃO CLÍNICAS - GUIDELINES


Geral, Geriatria & Paliativos

Actualização da norma sobre utilização de opióides, com 20 recomendações simples. Destaco:

  • Recomendação contra opióides na dor crónica não-oncológica

  • Sem evidência clara de superioridade de opióide particular

  • Se opióide em dor crónica, preferir buprenorfina (agonista parcial dos receptores mu)

  • Se opióide, usar a mínima dose no mínimo tempo possível

  • Se opióide, monitorizar com frequência e no máximo até 30 dias

  • Se opióide em dor aguda, SOS ou titulação, recomendação contra opióides de acção-longa

Não é que nada disto seja novo. Mas como é tantas vezes esquecido / ignorado na prática, convém relembrar.



ESTUDOS OBSERVACIONAIS

RS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)


COVID-19

83 estudos (3 ECAs + 80 observacionais), COVID longo, jornais com elevado factor de impacto

Grande maioria estudou incidência, prevalência e factores de risco. Cerca de 50% não usou grupo de controlo e também cerca de 50% não ajustou para confundidores, sendo que dos que ajustaram, 40% ajustaram para menos de 4 variáveis. Isto demonstra a fraca qualidade científica que sustenta o estudo desta entidade nebulosa.


73 estudos

Nada de novo…mas não se deixem enganar pelas conclusões dos autores! A efetividade “desceu” na hospitalização de 92% para 79% e na mortalidade de 91% para 86%. Não me parece uma grande redução, já para não falar da adjuvância dos vários vieses que contribuem para essa diferença. E ainda bem que a redução não é substancial, mais uma prova da eficácia das vacinas e da imunidade em si!


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

52 estudos (12 ECAs), n=1.794.889

Desta revisão ultra-heterogénea (além da população já por si heterogénea, revisão de estudos onde cabem tanto ECAs como observacionais retrospectivas), os programas de stewardship parecem reduzir prescrição e consumo de antimicrobianos de 10% a 30%. Não me parece mau, mas não sei se com isto conseguimos concluir grande coisa.


SUB-ANÁLISES DE ECAs

Cardiovascular

n=172 de 6004 (3.8%), post-hoc, 4 centros na Dinamarca, adultos >70A + HT, DM, IC ou AVC prévio

Nesta análise post hoc do LOOP descobriu-se que houve muito maior detecção de bradiarritmia (e esmagadoramente mais bradiarritmia assintomática) e colocação de pacemaker no braço de rastreio de FA, sem melhoria dos desfechos clínicos. Estando a falar dum ensaio cuja conclusão-chave tinha sido a mesma (mais detecção de FA não melhorou desfechos), temos aqui mais um argumento contra o sobrediagnóstico e a favor de uma das minhas máximas favoritas menos é mais.


COORTE, CASO-CONTROLO & COORTE TRANSVERSAL

Cirurgia, Ortopedia & MFR

n=1182, coorte retrospectiva, hospital académico nos EUA

Seguimento pós-operatório (cirurgia bariátrica) com telemedicina foi equivalente a presencial. Numa realidade em que as listas de espera se acumulam e o colapso parece iminente, coisas que idealmente nos tiram trabalho sem piorar os desfechos são (ou deveriam ser) sempre bem-vindas.


Doente crítico/urgente

n=312, coorte prospectiva de diagnóstico a 1 ano

Algoritmo STANDING para o DDx das causas de vertigem feito por emergencistas. Sensibilidade entre 85% a 90% e especificidade entre 89% a 91% e boa concordância entre interno e especialista.


Geral, Geriatria & Paliativos

n=686, coorte prospectiva, hospital terciário nos EUA, 2017-2021

Estratégia #opioidfree na cirurgia urológica maior foi eficaz em eliminar prescrições de opióide na alta sem piorar desfechos tanto de eficácia (dor) como segurança.


Hematologia

n=54, coorte prospectiva “antes e depois”, 33 centros nos EUA (++) e Europa

Neste estudo gerador de hipóteses, um tratamento inovador com inserção de um vector de adenovírus com gene codificador de factor IX parece ser mais eficaz e seguro que reposições continuadas do factor IX em si. Excelentes notícias. Aguardamos o ensaio controlado e aleatorizado!

Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n=84, 5 coortes dos EUA

Risco de transmissão de influenza A(H3N2) entre co-habitantes foi de cerca de 50% na época 2021-2022 (em comparação com 20% nas épocas precedentes).


Meta-investigação & MBE

n=210, estudo de corte transversal, fármacos aprovados pela FDA entre 2018-2021

Dos 210 fármacos aprovados pela FDA entre 2018 e 2021, 10% foram fármacos cujo ECA foi negativo / nulo para pelo menos 1 desfecho primário. Destes 10%, só foram exigidos pela FDA estudos pós-aprovação em 33% dos casos. A ideia deste estudo surgiu na sequência da polémica aprovação do aducanumab (e recentemente, lecanemab), e os resultados não são (mesmo) nada animadores.


CASO CLÍNICO

Cardiovascular

Nem todo o supra de ST é EAM oclusivo.


OPINIÃO

PERSPECTIVA

Geral, Geriatria & Paliativos

Todos pela sopa, sopa para todos!


Neurologia

Boom! Alteplase sem melhoria e mais iatrogenia que antiagregação dupla no AVC menor. Aguardamos a publicação do ECA, por enquanto ficamo-nos pela apresentação no ISC 2023.


FOAMed

COVID-19

Ainda não tinha trazido este ECA porque estou verdadeiramente incrédulo com os seus resultados. Trago apenas estas análises da FOAMed e não o ensaio porque, na verdade, ainda estou bastante céptico dos seus resultados, apesar de não se encontrar nenhuma limitação maior nos métodos além da pequena amostra, mudança no outcome primário a meio do jogo e p value de 0.04. Parece-me demasiado bom para ser verdade e os números ficam mesmo no limite. Serão verdadeiros? Terá havido batota clara? Enfim, presunção de inocência sempre, mas com isto não sei bem o que dizer…


Doente crítico/urgente

Argumentação pró- e contra- haloperidol EV. No meio do debate IM vs EC, surge um inofensivo droperidol como eventual vitorioso.


Posts recentes

Ver tudo
Post: Blog2 Post
bottom of page