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Junho de 2025 - #3 A guerra dos fluidos continua

No substack: esFOAMeados No patreon: esFOAMeados Em podcast: Hipótese Nula



TABELA DE CONTEÚDOS

SINOPSE


🎂 🎂 🎂 Sobrenata

-Ensaios de oncologia --> Sobrevida geral e qualidade de vida infrequentemente melhorados...


🎂 Nata da nata

- Paragem cardíaca --> ICP imediata sem vantagem face a ICP diferida ou selectiva (JAMA Cardiology)


🍰 Nata

- C. diff --> Tratamento de 1ª-linha: Transplante fecal não-inf (ou sup??) a vanco!? Urge replicação (AIM)

- HTA --> Novo antihipertensor (zilbesiran) com bastante potencial hipotensor (mas EAs) (JAMA Cardiology)

- N/V por QT --> Olanzapina profiláctica eficaz e segura (Lancet Oncology)

- aGLP1 novo --> Ecnogluitdo com promissor novo mec. de acção - aguardam-se comparações directas (Lancet D&E)

- LMA --> Consolidação em dose intermédia não-inferior ou até superior a dose elevada (NEJM Evidence)

- Doença do enxerto vs hospedeiro --> Ciclofosfamida em vez de MTX (+ Ciclosporina) melhor (NEJM)

- Artrite Reumatóide --> Anti-TNFa mais eficaz se actividade cerebral? Não convencido... (Lancet Reumatology)

- Guerra dos Fluidos --> Lactato de Ringer não foi muito superior no maior ECA alguma vez feito (NEJM)


🧾Receita

- Transfusão de plaquetas (AABB / ICTMG)

- Cefaleias (consenso português)


🧐 Observações

- Revisões sistemáticas: Oncofármacos e (subestimação) dos custos (JAMA)

- Primários: Ceftriaxone subcutâneo (OFID) | Hidrocortisona na sépsis e LRA (JAMA NO)

- Casos e séries: Miopatia necrotizante ; Dupilumab e pneumonia (AIM)


Opiniões

- Revisão narrativa: Ferramenta de estimativa de tamanho amostral necessário com base na evidência pré-existente (BMJ)



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META-REVISÃO


Oncologia

791 ECAs / n = 555580 ensaios, sem ocultação, estudo meta-epidemiológico, internacional, 2002–2024

Avaliou-se a proporção de ensaios clínicos de fase 3 em Oncologia que demonstram superioridade em sobrevida global ou qualidade de vida (QV). Entre 791 ensaios (n = 555 580), 53 % foram interpretados / reportados como positivos com base no desfecho primário, mas apenas 28 % demonstraram superioridade em sobrevida global e 11 % em QV. A superioridade em pelo menos um destes dois desfechos relevantes para os doentes foi demonstrada em 32 %, e em ambos apenas em 6 %. A maioria dos ensaios com desfechos alternativos positivos (p. ex., sobrevivência livre de progressão) não traduziu esse benefício em ganhos de sobrevida ou QV. Dos 482 ensaios com avaliação de QV, só 34 % publicaram resultados globais de QV e 82 % não ajustaram as comparações para os valores basais, comprometendo a validade. Os resultados expõem o desfasamento entre desfechos menos relevantes e os que verdadeiramente interessam aos doentes, sublinhando a necessidade de reorientar os ensaios de fase 3 para benefícios clínicos tangíveis e que verdadeiramente interessam! Como nota final, e porque é discussão regular, uma maior sobrevids livre de progressão não foi sinónimo de sobrevida global (pelo contrário).


REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs

Cardiovascular

n=1031, não-oculto, meta-análise de dados individuais (COACT e TOMAHAWK, Países Baixos e Alemanha), 2015–2021

P – Adultos ressuscitados após paragem cardíaca extra-hospitalar sem supradesnivelamento do segmento ST

I – Angiografia coronária imediata

C – Angiografia diferida ou selectiva

O 1º » IGUAL/Pior? sobrevida a 1 ano – 49,6% vs 53,4%, HR 1,15 [IC95% 0,96–1,37]  

2º » Sem interacções nos subgrupos (idade, sexo, ritmo da paragem, antecedentes, tempos de reanimação, etc.)

» Iguais eventos cardiovasculares (enfarte, insuficiência cardíaca)

Comentário: Esta meta-análise com dados individuais de dois ensaios recentes moderadamente robustos (acho que já estiveram ambos no blogue) aponta para ausência de benefício da angiografia imediata face a uma abordagem diferida ou selectiva até 1 ano após a paragem cardíaca. A análise de subgrupos reforça a consistência dos resultados — nenhum perfil clínico parece beneficiar diferencialmente da estratégia invasiva precoce. A ausência de ocultação pode introduzir viés, mas é compensada pelo seguimento prolongado, análise centralizada e metodologicamente sólida e desfecho (sobrevida) objectivo.

Conclusão: A angiografia coronária imediata não melhorou a sobrevivda a 1 ano em doentes sem supradesnivelamento do segmento ST após paragem cardíaca extra-hospitalar.




ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS

Cardiovascular

n = 663, duplamente oculto, 150 centros em 8 países, 2022–2023

P – Adultos com HT não controlada após ≥4 semanas de indapamida 2,5 mg, amlodipina 5 mg ou olmesartan 40 mg

I – Zilebesiran 600 mg s.c. em dose única (RNAi contra angiotensinogénio)

C – Placebo s.c. em dose única

O 1º » MAIOR redução PAS ambulatória 24h aos 3 meses:

  −12,1 mmHg [IC95% −16,5 a −7,6] com indapamida

  −9,7 mmHg [IC95% −12,9 a −6,6] com amlodipina

  −4,5 mmHg [IC95% −8,2 a −0,8] com olmesartan  p<0,001 para os dois primeiros, p=0,02 para olmesartan

  2º » Mais hiperK (5,5% vs 1,8%), hipoTA (4,3% vs 2,1%) e LRA (4,9% vs 1,5%) — ep. ligeiros e autolimitados

Comentário: Este ensaio de fase 2 com ocultação mostrou que o zilebesiran, um fármaco SC de longa acção baseado em interferência de RNA para reduzir produção de angiotensinogéneo, reduziu significativamente a pressão arterial em doentes já medicados com terapêutica oral de primeira linha. A magnitude do efeito variou consoante a terapêutica de base, sendo mais modesta com olmesartan (fez sentido tendo em conta o mecanismo). Os efeitos adversos renais e electrolíticos, embora pouco frequentes, justificam cautela e esperar pelas fases 3 e 4. Importa realçar que o desenho com apenas uma dose única não permite ainda extrapolar a segurança a longo prazo.

Conclusão: Uma dose subcutânea de zilebesiran adicionada à terapêutica anti-hipertensora oral de 1ª-linha reduziu eficazmente a pressão arterial aos 3 meses...mas mais EAs


Endocrinologia

n = 664, duplamente oculto, 36 centros na China, ensaio de indústria, 2023–2024

P – 18–75 anos + Obesidade (IMC ≥28) ou Excesso de peso (IMC 24–27,9) + ≥1 comorbilidade + Sem diabetes

I – Ecnoglutida s.c. semanal (agonista GLP-1 cAMP-biased*)

  • 1,2 mg (n = 166) • 1,8 mg (n = 166) • 2,4 mg (n = 167)

C – Placebo s.c. semanal (n = 165)

*Via associada aos benefícios (saciedade, controlo glicémico e perda ponderal) / Evitam-se vias paralelas como a β-arrestina (taquifilaxia, tolerância ou EAs GI)

O 1º » MENOS peso às 40 semanas (média ajustada ; intenção de tratar)

  • −9,1 % (1,2 mg) | −10,9 % (1,8 mg) | −13,2 % (2,4 mg)  vs +0,1 % → −9,2 % | −11,1 % | −13,3 % (p<0,0001)

  Redução ≥5 % do peso corporal

  • 77 % | 84 % | 87 % vs 16 % → RRA 61 % | 68 % | 71 % → NNT ≈ 2

O 2º » Mais EAs relacionados com terapêutica

  • 93 % ecnoglutida vs 84 % placebo → ARA 9 % / NNH 11 ; interrupção por EA: 6 % vs <1 %

  • Sem sinais de segurança graves inesperados (EAs gastrointestinais ligeiros-moderados)

Comentário: A ecnoglutida semanal induziu perda ponderal robusta (até 13 % em 40 sem) em adultos chineses sem DM, com NNT ~2 para atingir ≥5 % de perda de peso. Perfil de eficácia e EA gastrointestinais semelhante a outros agonistas GLP-1, sem novos alertas. Ficam a faltar dados de manutenção a longo prazo e comparação direta com fármacos já aprovados (eg, semaglutida 2,4 mg, tirzepatida), ficanco com curiosidade para perceber se este novo mecanismo de acção com teórica vantagem de menos efeitos adversos se confirmará na prática. Assim como o novo chinêz mazdutido, fica a limitação de apenas ter sido testado na China, país com diferente perfil de obesidade (e até diferentes cutoffs).

Conclusão: Ecnoglutida mostrou eficácia e segurança promissoras para controlo de peso, justificando estudos head-to-head e acompanhamento prolongado.


n = 795, não-oculto, multicêntrico internacional, indústria (Eli Lilly), 52 semanas

P – Adultos com DM2 + Sem insulinoterapia prévia

I – Insulina basal efsitora alfa semanal (100U, ajustes mensais segundo algoritmo)

C – Insulina basal glargina diária (U100, ajustes semanais segundo algoritmo)

O 1º » NÃO-INF na redução da HbA1c após 52 semanas: 8% -> 7% ambos, dif. –0,03 pp (IC95% –0,18 a 0,12)

Superioridade não demonstrada, p=0.68

O 2º » Menor hipoglicemias clinicamente significativas ou graves - 0,50 vs 0,88 eventos/ano, dif. 0,57 (0,39–0,84)

» Menor dose semanal total média - 289,1 vs 332,8 U; diferença –43,7 U

» Menor número de ajustes de dose - 2 vs 8

Comentário: Tem havido muita publicação no campo das insulinas semanais, começando com a icodec (Novo Nordisk) e agora prolongando-se com a efsitora alfa (Eli Lilly), perpetuando a eterna guerra na obesidade entre estas duas (relembro que são as produtoras dos semaglutido e tirzepatido, respectivamente). Este aqui testou a insulina basal de dose fixa e ajustada mensalmente semanalmente contra insulina diária com ajustes mais frequentes, numa população sem insulina prévia, demonstrando que a insulina semanal efsitora foi não-inferior à glargina diária na eficácia glicémica e apresentou perfil de segurança equivalente ou até superior em termos de hipoglicemias. Sobretudo, o conforto posológico semanal e a confirmação de menor necessidade de ajustes podem favorecer a adesão e a qualidade de vida destes pobres doentes. Não sei se haverá grande diferença entre esta e a icodec, aguardando futuro ensaio comparador (ou esperando sentado...).

Conclusão: Em diabéticos tipo 2 sem insulinoterapia, insulina basal semanal foi não-inferior à insulina basal diária.


Gastroenterologia & Hepatologia

n = 100, não-oculto, 12 centros hospitalares e comunitários na Noruega, 2019–2023

P – Adultos com infecção primária por C. difficile (sem episódios nos 365 dias prévios)

I – Transplante de microbiota fecal (sem antibiótico prévio)

C – Vancomicina oral 125 mg 4x/dia ×10 dias

O 1º » Cura clínica + Sem recorrência até 60d sem terapêutica adicional – 66,7% vs 61,2%, RRA 5,4% [−13,5 a 24,4], p<0,001 para não-inferioridade  

O 2º » Cura clínica + Sem recorrência com ou sem terapêutica adicional – 78,4% vs 61,2%, RRA 17,2% [−0,7 a 35,1]  

» Mais necessidade de retratamento no grupo FMT – 21,6% vs 8,2%, ARA 13,4% 

» EA semelhantes entre grupos

Comentário: Ensaio norueguês não-oculto e pequeno mas pragmático demonstrou que o transplante de microbiota fecal (sem antibiótico prévio) foi não-inferior à vancomicina como tratamento de 1.ª linha na infecção primária por Clostridioides difficile (e talvez até superior! mas não o podemos afirmar por enquanto). Quando se incluiu também quem foi retratado no desfecho 2º, os resultados pareceram ainda mais numericamente superiores com TMF; contudo, isso pode reflectir o facto de mais doentes nesse grupo terem recebido terapêutica adicional -  1 em cada 5 doentes - o que levanta dúvidas sobre a robustez da superioridade (para uma comparação justa no retratamento, o grupo de vancomicina também deveria ter feito mais tratamento e o retratmento deveria ter sido padronizado - no entanto, pode ser um sinal para vantagem de combinação de ambos os braços se falência!). Ademais, parece não ter havido mais eventos adversos com a TMF. Ainda assim, trata-se da primeira evidência a favor de TMF na ICDiff primária com sinal de que poderá vir a ser uma opção válida e segura como terapêutica inicial, sobretudo em contextos com acesso fácil, bancos de fezes bem regulados e vigilância rigorosa. Aguardam-se ECAs maiores, com ocultação, internacionais e multicêntricos - será que os teremos?

Conclusão: FMT sem antibiótico prévio foi não-inferior à vancomicina na infecção primária por C. difficile. Replicável?


Geral, Geriatria & Paliativos

n = 500, duplamente oculto, 15 centros no Japão, universitário, 2020–2022

P – Mulheres ≥20A + Cancro mama I–III c/ antraciclinas+ciclofosfamida e ECOG 0–1 + S/ QT prévia emetogénica

I – Olanzapina 5 mg oral em casa (início até 5h após QT) dias 1–4

C – Placebo oral, mesma administração

Todos receberam antiemese tripla: palonosetron 0,75 mg + dexametasona ev + aprepitanto oral (ou fosaprepitanto ev)

O 1º » MELHOR resposta completa (sem vómitos, sem medicação de resgate) nas 0–120 horas

  • 58,1 % (olanzapina) vs 35,5 % (placebo) → RRA 22,7 % (IC95% 14,0–31,4) / NNT ≈ 4–5 → p < 0,0001

EAs (classificação PRO-CTCAE e CTCAE):

  • Menos? anorexia grave: 13 % vs 38 % ; obstipação grave: 12 % vs 16 % ; défice de concentração grave: 10% vs 14%

  • Mais? sonolência grau 3–4: 2 % vs 0 % ; défice concentração grau 3–4: 1 % vs 0 %

  • Nenhuma morte relacionada com terapêutica

Comentário: A adição de olanzapina 5 mg profiláctica após QT (e não antes ou só depois de sintomas) mostrou melhorar significativamente o controlo de náuseas e vómitos induzidos por quimioterapia ("CINV), com um NNT bastante favorável (~4–5) e perfil de segurança aceitável (apenas ligeira mais insónia, mas com menos anorexia e obstipação!). A administração domiciliar é cómoda e parece bastante eficaz. Comparando com dados prévios (olanzapina 10 mg p.e.), esta estratégia de dose reduzida e temporização pós-QT no domicílio poderá representar um compromisso eficaz com menos EA sedativos. Seria muito bom ser replicado na nossa população (e no mundo!).

Conclusão: Olanzapina 5mg no domicílio pós-QT c/ antraciclina e ciclofosfamida para cancro da mama eficaz e seguro!


n = 43.626, não-oculto, hospitais aleatorizado por aglomerados cruzados (cada 12 semanas), 7 hospitais, Canadá, 2020 (interrompido pela pandemia COVID-19)

P – Adultos hospitalizados (todas as admissões)

I – Lactato de ringer como fluido padrão hospitalar

C – Soro "fisiológico" (NaCl 0,9%) como fluido padrão hospitalar

O 1º » IGUAL morte ou reinternamento aos 90 dias - 20,3 % vs 21,4 % → dif. ajustada –0,53 pp (–1,85 a 0,79), p=0,35

O 2.º » Igual morte aos 90 dias: 3,6 % vs 3,8 % → diferença –0,14 pp (IC95% –0,45 a 0,18)

» Igual reinternamento isolado: 17,0 % vs 18,0 % → diferença –0,42 pp (IC95% –1,59 a 0,76)

» Igual início de diálise: 0,4 % vs 0,4 % → diferença –0,01 pp (IC95% –0,08 a 0,07)

» Igual ida ao SU aos 90 dias: 16,8 % vs 17,3 % → diferença –0,42 pp (IC95% –1,37 a 0,53)

» Igual alta para instituição (≠ casa): 4,9 % vs 5,1 % → diferença –0,17 pp (IC95% –0,60 a 0,25)

» Igual duração média de internamento: 7,7 dias vs 7,6 dias → diferença +0,06 dias (IC95% –0,21 a 0,33)

» Nenhum EA grave reportado

Comentário: O maior ECA sobre fluidoterapia chegou. Apesar de hipóteses fisiopatológicas e estudos prévios (sobretudo em doente crítico) sugerirem superioridade dos cristalóides balanceados como o Lactato de Ringer (em PT usamos muito o "polielectrolítico", que é um nome um bocado redutor que se dá a um tipo de cristalóide balanceado), este ensaio mostrou diferenças numéricas muito pequenas e estatisticamente não significativas em todos os desfechos. A diferença de 1,1 pp no desfecho primário pode parecer favorecre o LR, mas o IC inclui o valor nulo...e, acima de tudo, desse desfecho composto, o que mais interessa (mortalidade) é o que até nem sequer melhorou numericamente falando. A interrupção precoce poderá ter limitado o poder estatístico, mas é o que é. Portanto, já temos este grande ensaio e mais outros 3 (SMART em 2018, SALT-ED em 2018 e BaSICS em 2021) a demonstrar que a escolha do tipo de fluido não é assim tão relevante para coisas como mortalidade e internamentos. A única coisa que parece melhorar com cristalóides balanceados (e faz sentido) são os desfechos renais, pelo que aguardo o ensaio grande dirigido a esta população. Até lá, mesmo continuando a usar preferencialmente cristalóides balanceados, não fico muito incomodado quando tal não acontece (como ficava ingenuamente há uns anos atrás).

Conclusão: Lactato de Ringer vs NaCl 0,9% não reduziu significativamente morte ou reinternamento aos 90 dias.


Hematologia

n = 1132, não-oculto, ensaio de não-inferioridade, multicêntrico na Europa (França e Bélgica), 2015–2021

P – 18–60 anos + LMA recém-diagnosticada (excluindo LMA promielocítica, SMD, Philadelphia+ ou CBF+)

I – Citarabina em dose intermédia pós-indução (IDAC: 1500 mg/m² 12/12h)

C – Citarabina em dose elevada pós-indução (HDAC: 3000 mg/m² 12/12h)

O 1º » NÃO-INF sobrevida global aos 5 anos – 59,3 % vs 57,5 %, HR 0,96 (I0,80–1,15), p para não-inferioridade = 0,0042

O 2º » Igual eficácia em todos os subgrupos (risco ELN 2022, resposta à indução, etc.)

» Menos mielossupressão e eventos adversos relacionados com quimioterapia

Comentário: Um dos maiores ensaios na quimioterapia de consolidação da LMA, com a vantagem adicional de ter excluido doentes com CBF ou outras variantes (conferentes de melhor prognóstico), com resultado muito robusto: IDAC foi não-inferior a HDAC para sobrevida global aos 5 anos (e numericamente superior!), com menor toxicidade. O benefício de HDAC nunca foi claramente demonstrado em termos de eficácia e este estudo ajuda a consolidar a prática de usar doses intermédias de citarabina com menor toxicidade sem comprometer resultados oncológicos. É um exemplo de “de-escalonamento” com evidência de qualidade - less is more!

Conclusão: Na LMA de novo sem factores de bom px, citarabina em dose intermédia foi não-inferior / superior.


n = 134, não-oculto, multicêntrico: Austrália e Nova Zelândia, 2018–2023

P – Neoplasias hematológicas com transplante alogénico de dador aparentado HLA-idêntico (c/ condicionamento)

I – Ciclosporina + Ciclofosfamida (CNI + PTCy)

C – Ciclosporina + Metotrexato (CNI + MTX)

O 1º » MAIOR sobrevida livre de doença de enxerto, recidiva ou morte – 49 % vs 14 % a 3A, HR 0,42 (0,3–0,7), p<0,001

O 2º » Menos doença de enxerto aguda grau III–IV aos 3 meses - 3 % vs 10 %

» Menos sobrevida global aos 2 anos: 83 % vs 71 %, RRA 12 % / NNT 8 → HR 0,59 (IC95% 0,29–1,19)

» Iguais EA graves até 100 dias

Comentário: Sabendo muito pouco deste tema, partilho este ensaio relativamente pequeno que avaliou "CIN+PTCy" (ciclofosfamida + ciclosporina) numa população que, até aqui, era menos estudada — transplantados de dador aparentado HLA-idêntico, sob regime de condicionamento intensivo (os outros 2 ensaios recentes de 2021 e 2022 estudaram tanto aparentados como não-aparentados e com outras diferenças). Os resultados foram bastante impressionantes: uma triplicação do desfecho primário, reduções marcadas da doença de enxerto aguda grave e tendência muito favorável na sobrevida global com um NNT de 12. A magnitude do benefício e a consistência com os 2 ensaios prévios em dadores não-aparentados ou haploidênticos tornam plausível e conferem alguma validação externa à mudança de prática, mesmo em centros com experiência com o regime clássico "CNI+MTX". Não esquecer que o ensaio é muito pequeno (pode exagerar o benefício), e o braço experimental usou apenas ciclosporina (sem adição de micofenolato ou tacrolímus), o que pode limitar comparações com práticas de centros com outras combinações (embora acho que concorde com a escolha deste braço do ponto de vista de robustez da comparação).

Conclusão: No transplante HLA-idêntico aparentado, PTCy + CNI diminuiu a doença de enxerto e melhorou sobrevida.


Imuno-mediadas

n = 139, duplamente oculto, 6 centros em Alemanha, Portugal e Sérvia, 2013–2020

P – Artrite reumatóide activa c/ ≥ 18 anos + falência a ≥1 DMARD sintético

  – Estratificação adicional por activação cerebral à dor (fMRI alto vs baixo)

I – Certolizumab‑pegol s.c. 400 mg (semana 0, 2, 4) → 200 mg q2sem até 24 sem

C – Placebo s.c. (mesmo esquema)

O 1º » MAIOR proporção em baixa actividade de doença (DAS28 ≤ 3,2) às 12 sem

– fMRI alto » 57 % vs 26 % → RRA 31 % / NNT 3; p = 0,0017

  – fMRI baixo » 44 % vs 26 % → RRA 18 % / NNT 6; p = 0,063

 O 2º » Mais EAs - 24 % vs 6 %, ARA 18 % / NNH 5,6 | Nenhum EA grave inesperado

Comentário: Neste estudo, o fMRI (RM funcional) foi usado para medir activação cerebral associada à dor em doentes com artrite reumatóide. A técnica detecta alterações no fluxo sanguíneo cerebral relacionadas com a actividade neuronal — quanto mais activada uma área do cérebro, mais oxigénio se consome e maior o sinal captado pela fMRI - e o "volume de activação" refere-se à quantidade de tecido cerebral que mostrou resposta significativa durante estímulos dolorosos. A ideia do estudo foi que doentes com maior representação central da dor (volume de activação elevado) teriam uma componente mais “neurológico” da doença, e por isso responderiam melhor aos anti‑TNF. Embora seja argumentando que a activação cerebral foi útil em seleccionar doentes mais respondedores, não me parece uma diferença numérica assim tão substancial (NNT 3 vs NNT 6), e o não atingimento de significância estatística pode ser explicado pelos menos evntos (cerca de metade) no grupo de fMRI baixo.

Conclusão: O anti-TNF certolizumab diminuiu a actividade da AR, ainda mais quando elevado volume na RM funcional.


NORMAS DE ORIENTAÇÃO CLÍNICAS - GUIDELINES

Hematologia

Recomendações para limiar de transfusão de plaquetas com método GRADE. Usados 21 ECAs e 13 observacionais quando não havia ECAs para temas considerados pertinentes. Gordon Guyatt nos co-autores! Não sobraram recomendações para tudo tudo o que queríamos, mas já é alguma coisa. Em suma, menos é mais.

Recomendações Fortes (Evidência de Certeza Alta/Moderada)

  • Trombocitopenia Hipoproliferativa (S/ hemorragia, Quimioterapia/Transplante Alogénico):10×10^3/μL.

  • Punção Lombar: 20 × 10^3/μL.

  • Trombocitopenia de Consumo (Dengue, sem Hemorragia Major): Não recomendada.

Recomendações Condicionais (Evidência de Certeza Baixa/Muito Baixa)

  • Trombocitopenia Hipoproliferativa (S/ hemorragia, Transplante Autólogo/Anemia Aplástica): Não recomendada.

  • Trombocitopenia de Consumo (S/ hemorragia major): 10×103/μL.

  • Colocação de Cateter Venoso Central (Locais Anatómicos Compressíveis): 10×103/μL.

  • Radiologia de Intervenção:

    • Procedimentos de baixo risco: 20×10^3/μL.

    • Procedimentos de alto risco: 50×10^3/μL.

  • Cirurgia Major Não-Neuroaxial (Adultos): 50×10^3/μL.

  • Cirurgia Cardiovascular (Sem Trombocitopenia ou Hemorragia Major, incluindo CABG): Não recomendada.

  • Hemorragia Intracraniana Não-OP (plaquetas>100×10^3/μL, incluindo c/ antiagregantes): Não recomendada


Neurologia

Gestão das Cefaleias em Portugal: Consenso das Sociedades Portuguesas de Cefaleias e Neurologia, Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar e MiGRA | AMP

Embora não tenha nada de muito novo para quem ande relativamente actualizado no tema e não sejam especificadas grandes abordagens (apenas a abordagem geral), é sempre útil não só para quem está menos familiarizado com área como também para rever o tema. A informação sobre utilização na gravidez e precauções e contra-indicações dos fármacos também dá uma ajuda preciosa!



ESTUDOS OBSERVACIONAIS

REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)

Geral, Geriatria & Paliativos

n~68.000 doentes, 46 estudos, América do Norte, Europa, Ásia, 2013–2023

Esta RS analisou a contribuição de falhas de comunicação (verbal, escrita, electrónica ou não-verbal) para incidentes de segurança do doente. A comunicação insuficiente esteve envolvida em cerca de 24% dos incidentes (mediana), mas variação acentuada entre estudos. A percentagem dos estudos em que a má comunicação foi a única causa identificada foi de 13%. As categorias de incidentes incluíram eventos adversos, near misses, erros de medicação e outros erros clínicos. A qualidade metodológica foi heterogénea, com risco de viés relevante em muitos estudos.

Apesar da variabilidade, esta revisão confirma que a má comunicação continua a ser uma causa transversal e significativa de incidentes de segurança. Os autores recomendam a adopção mais ampla de práticas de comunicação baseadas na evidência (ex. ferramentas padronizadas de transmissão de informação e programas de formação), adaptadas ao contexto clínico.


Oncologia

n = 113 estudos (102 análises de custo-efectividade + 11 estudos com dados reais de custos), revisão sistemática, EUA, 2003–2023

Analisou-se se os custos de efeitos adversos (EA) utilizados em análises de custo-efectividade (ACE) de fármacos oncológicos reflectem os valores reais obtidos em estudos baseados em registos administrativos (claims data). Os custos de EA nas ACE foram consistentemente inferiores aos dos estudos reais, com diferença mediana absoluta de $17 201 (p = 0,03) e diferença relativa de 9,7 % no peso sobre os custos médicos totais (p = 0,002). A substituição dos custos de EA estimados nas ACE por valores reais alterou as conclusões de custo-efectividade em 47 % dos casos revistos. Foram ainda identificadas falhas metodológicas frequentes: 40 % das ACE não especificavam os tipos de EA; 79 % só incluíam EA de grau ≥ 3; 83 % assumiam ocorrência apenas no primeiro ciclo; 85 % ignoravam EA após progressão e 87 % não consideravam reduções/interrupções de dose. A subestimação sistemática dos custos de EA pode enviesar decisões económicas em Oncologia e prejudicar a Saúde Pública. Urge definir directrizes padronizadas para quantificação mais rigorosa e completa dos custos relacionados com EA.

PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS

Doente crítico/urgente

Hydrocortisone and Risk Factors for Kidney Replacement Therapy in Septic Shock | JAMA NO n = 3161, análise pós-hoc de ECA (ADRENAL), multicêntrico (Austrália, RU, NZ, Arábia Saudita, Dinamarca), 2013–2017

Avaliaram-se os efeitos da hidrocortisona endovenosa na necessidade subsequente de terapia de substituição renal (TSR) em doentes com choque séptico incluídos no ensaio ADRENAL, excluindo os que já tinham iniciado TSR nas 24h anteriores ou tinham doença renal terminal. Entre os 3161 doentes incluídos (61% homens; idade mediana 65 anos), 1589 receberam hidrocortisona e 1572 placebo. A hidrocortisona associou-se a menor incidência de TSR (21% vs 24%; OR ajustado 0,79; IC95% 0,66–0,95; p = 0,01), mesmo após ajuste para variáveis clínicas e hemodinâmicas. Entre os que iniciaram TSR, o tratamento não influenciou os dias vivos e livres de TSR (dif. média 1,28d; −4,31 a 6,87; p = 0,65). Estes resultados sugerem que a hidrocortisona poderá reduzir a progressão da lesão renal associada à sépsis, ainda que a análise seja pós-hoc e não desenhada para testar este desfecho. A ausência de benefício após início da TSR reforça a hipótese de um efeito preventivo e não terapêutico. Justifica-se investigação prospectiva dedicada.


Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos

n = 47, não-oculto, estudo observacional PK/PD, França, data não especificada

Estudo francês avaliou a farmacocinética, farmacodinâmica e tolerância da ceftriaxona 1g/24h por via subcutânea versus endovenosa em doentes ≥65 anos. As concentrações plasmáticas, AUC e probabilidade de atingir o alvo (PTA) foram semelhantes entre as diferentes vias, com biodisponibilidade estimada de 99% para a via subcutânea. A administração subcutânea demonstrou perfil PK/PD equiparável ou ligeiramente superior ao EV e foi geralmente bem tolerada (13% de EAs locais, todos ligeiros e transitórios). Apoia-se assim a utilização da via subcutânea em idosos, especialmente em contextos de cuidados domiciliários ou paliativos.


POCUS

n = 40, não oculto, estudo observacional prospectivo, Itália, 2025

A ecografia do nervo óptico é uma ferramenta promissora para estimar a pressão intracraniana de forma não invasiva, útil sobretudo em contextos onde o acesso a técnicas invasivas é limitado. Este estudo avaliou a exactidão da medição do diâmetro da bainha do nervo óptico (ONSD) por operadores inexperientes após formação teórico-prática. Incluíram-se 4 grupos (10 cada): estudantes de enfermagem, estudantes de Medicina, enfermeiros de UCI e internos de UCI. Todos realizaram formação (4h, ≥20 medidas supervisionadas) e prova de verificação (teste teórico e 5 medidas práticas em voluntários saudáveis). A medição de referência foi efectuada por um tutor especialista, e calculou-se a variação do ONSD e os limites de concordância por grupo. A taxa de erros de execução foi maior entre estudantes de enfermagem (16%) e menor entre internos (0%); estudantes de Medicina obtiveram desempenho semelhante aos internos. A correlação com o especialista foi moderada em todos os grupos (ρ 0.55–0.64). Medidas aceitáveis (limites de concordância < 0.5 mm) foram obtidas por todos os grupos excepto estudantes de enfermagem. Não se observou melhoria dependente do tempo durante a verificação. Conclui-se que estudantes de Medicina, enfermeiros de UCI e internos conseguem realizar medições fiáveis de ONSD após formação breve e estruturada.

CASOS CLÍNICOS e SÉRIES DE CASOS

Imuno-mediadas

Um caso de miopatina necrotizante por ac anti-HMGCR com envolvimento bulbar que poderia ter sido fatal.


Pneumologia

Veremos cada vez mais a utilização de biológicos na asma como o dupilumab (anti-il4/-13). Embora possa melhorar alguns desfechos da asma (impedindo a migração de eosinófilos para fora do sangue) poderá aumentar as pneumonias eosinofílicas (mantendo os eosinófilos em circulação). Neste caso, terá contribuido?


OPINIÃO

REVISÃO NARRATIVA

Meta-investigação & MBE

MetaImpact: uma nova ferramenta para calcular tamanhos amostrais com base em meta-análises

A (ou "o"??) MetaImpact é uma aplicação gratuita que permite calcular tamanho amostral necessário para futuros ensaios clínicos com base na evidência acumulada em meta-análises existentes. Trtata-se de uma abordagem híbrida frequencista–bayesiana com simulações, estimando a probabilidade de que um novo estudo — com determinado tamanho — altere significativamente os resultados da meta-análise actual (por exemplo, tornando-a estatisticamente significativa). A aplicação tem três componentes principais: (1) um guia interactivo (‘walk-through’) sobre os métodos utilizados; (2) uma secção de dados que permite carregar estudos ou usar exemplos; e (3) uma calculadora que orienta o utilizador passo a passo na realização da meta-análise de base, definição do limiar desejado (como intervalo de confiança ou valor-p) e simulação de potenciais estudos adicionais. Como exemplo, os autores ilustram o uso da MetaImpact com dados de uma revisão sistemática que comparou tenecteplase com alteplase no AVC isquémico (Alamowitch et al., 2023): a meta-análise prévia (n = 7 estudos) revelou um OR de 1,17 (IC95%: 0,98–1,39), sem significância estatístico ; simulações sugeriram que mesmo estudos com 3000–3500 doentes não garantiriam ‘poder’ ≥80%, mas o ECA ATTEST-2 foi publicado em 2024 com 1663 doentes, acrescentando pouco à meta-análise (novo OR = 1,13; IC95%: 0,99–1,29; p = 0,07) e à informação prévia ou "pré-ensaio", o que corrobora os resultados simulados. A ferramenta tem limitações como a suposição de adição de um único estudo com braços de igual tamanho e menor poder estimado se elevada heterogeneidade (modelos de efeitos aleatórios melhores nesse caso). A MetaImpact não substitui um paneamento estatístico rigoroso mas pode melhorar a literacia e qualidade na planificação de ensaios.



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