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TABELA DE CONTEÚDOS
SINOPSE
🎂 NATA DA NATA
- Oseltamivir --> Não funciona em doentes de ambulatório (à parte: nos outros também não está provado)
- ECAs de ICI --> Mudanças no desfecho primário pós-registo em >50%
🍰 NATA
- Hematoma subdural crónico sintomático --> Dexametasona inferior / não não-inferior a cirurgia
- Reparação da VM --> Minitoracotomia é, no mínimo, não-inferior à reparação da VM
- Trauma grave --> Ác. Tranexâmico não melhorou SV com autonomia mas reduziu mortalidade
- Obstipação Crónica --> Cápsula oral vibratória aumentou (pouco) as dejecções semanais
- Máscara N95 --> Piores desfechos não-orientados ao doente (ensaio muito pequeno)
- COVID-longo --> Metformina pouco convincente (apesar do semi-spin)
- Transplante renal e CMV --> Letermovir não-inferior a valganciclovir na prevenção de CMV
🧐 Observações
- Revisões sistemáticas: Pneumotórax espontâneo primário e abordagem
- Primários: Anti-agregação dupla prolongada e ICP complexa | Aspirina vs enoxaparina pós-cirurgia de prótese | Métricas de "qualidade" caríssimas | Antibióticos e doença enxerto contra hospedeiro | Score SULF-FAST para ajudar na decisão de usar TMP/SMX | Autores de opinião em journais médicos | SGB e média dos doentes | TC-contraste e LRA-AC (real?)
- Casos e séries: Eculizumab e bactérias encapsuladas
☝ Opiniões
- Perspectiva: Hipersensibilidade a antibióticos e ética | Mega-jornais | Jornais científicos | Viés de selecção
🌎FOAMed
Tratamento de TG elevados | PTT
REVISÕES SISTEMÁTICAS de ECAs
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
10 ECAs / n=6.295, PRISMA/CRBT2, PubMed/MEDLINE/WoS/CC/CT.gov/WHO/Unpublished CSR from BMJ, até 08/22
P - Influenza confirmada em ambulatório + Adultos e adolescentes
I - Oseltamivir
C - Placebo ou Controlo não-activo
O » IGUAIS internamentos (mesmo nos idosos ou nos com maior risco de hospitalização)
» MAIS náusea e vómito
Comentário: Não preciso de comentar muito. Os resultados são simples e facilmente interpretáveis. Claro que existem as limitações típicas de uma RS-MA pragmática e heterogénea como esta, o que não nos impede de fazer uma interpretação geral de que, por regra, oseltamivir não funciona. Ah! E incluiram os CSR não-publicados pela Roche, que graças a Carl Heneghan e Tom Jefferson foram tornados públicos. Para quem não sabe desta enorme polémica, vejam essa saga contada em primeira mão pelos dois ou directamente no BMJ. Portanto, mais um dado contra este fármaco caro que pouco ou nada faz pelos nossos doentes a não ser aumentar os efeitos adversos. No final, a Roche ganhou, pois o oseltamivir continua a ser comercializado e prescrito como se nada fosse.
Conclusão: Oseltamivir em doentes com influenza de ambulatório não reduz internamento e aumenta náuseas/vómitos
Oncologia
38 ECAs/ n=31.647, PRISMA, 10/22
Dos ECAs publicados até 2022 sobre imunoterapia usada nos carcinoma urotelial, renal e pulmão de pequenas células, 22 (63%) mudaram pelo menos um aspecto do desfecho primário. População e desfecho mudaram em 50% e 13% dos ECAs, respectivamente. Muitas mudanças a meio do jogo, ficando incerto como teria sido caso os desfechos não tivessem mudado. Nada de novo no nosso quintal
ENSAIOS CONTROLADOS E ALEATORIZADOS
Cirurgia, Ortopedia & MFR
n=252 (420 planeados), NIT, não-oculto, 3 centros nos EUA, 2016-2021
P - Hematoma subdural crónico sintomático
I - Dexametasona 0.5-4mg até 19 dias
C - Cirurgia de trepanação (burr hole drainage)
O 1º » NÃO NÃO-INFERIOR mRS após 3M - OR 0.55 (IC 95%, 0.34 a 0.90)
2º » Pior função neurológica global (ECG modificada e ECM)
» Mais complicações - 59 vs 32 %
» Mais cirurgia adicional - 55 vs 6 %
Comentário: Acho que não preciso de comentar muito, os resultados falam por si. Fico muito confuso sobre qual seria a plausibilidade biológica de utilização de corticóide para hematoma crónico...mas talvez tenha algo para estudar.
Conclusão: Dexametasona não foi não-inferior a cirurgia no hematoma subdural crónico com sintomas e até inferior em desfechos clinicamente relevantes.
n=330, 10 centros no Reino-Unido, 2016-2021
Minitoracotomia é, no mínimo, não-inferior à esternotomia convencional.
Doente crítico/urgente
n=1310, quadruplamente-oculto, 15 centros de Austrália, Nova Zelândia e Alemanha, 2014-2022
P - Trauma Grave (= risco de coagulopatia elevado = COAST >2)
I - Ácido tranexâmico (TXA) 1g pré-hosp + 1g em 8h no hosp
C - Placebo emparelhado
O 1º » IGUAL sobrevida com função neurológica favorável aos 6M (ECG-E > 4 = Autónomo ABVDs) - ~54 %
2º » Menos mortalidade aos 3M - RR 0.79 (IC 95% 0.63 a 0.99) / 17.3 vs 21.8 %, RRA 4.5% / NNT 22,
» Igual/menos mortalidade aos 6M - RR 0.83 (IC 95% 0.67 a 1.03) / 19 vs 22.9 %
» Iguais EAs
Comentário: Bem, não vou comentar muito porque sei que isto vai ser extensivamente analisado e comentado pela comunidade FOAM, já que é um dos temas da moda, com pessoas inteligentes de ambos os lados da barricada amigável. A única coisa que quero comentar é que, pelo que percebi, extended glasgow coma scale maior que 4 corresponde a um grau de funcionalidade bastante elevado, com autonomia para actividades básicas de vida, mas mesmo, por exemplo, grau 4, apenas implica dependência para algumas actividades. É uma crítica constante esta igual sobrevida com igual ou pior função neurológica, como nos ensaios da adrenalina na ressucitação cardio-pulmonar, mas eu divido-me aqui. Neste caso, um tratamento que parece realmente diminuir mortalidade, mesmo que não aumente a sobrevida com autonomia (o que significa que estão a sobreviver mais doentes com menos autonomia) mas que mas também não a piora, será assim tão mau? Para muitos (diria que a maioria) será melhor sobreviver com menos autonomia que morrer. Em última instância, devemos sempre saber o que significa sobreviver com autonomia para quem está do lado. Estudando-o a nível populacional e, sobretudo, através de uma decisão colaborativa simples, rápida e honesta à cabeceira do doente com ou sem familiares. O que devíamos fazer sempre, na verdade.
Conclusão: Ácido tranexâmico no trauma grave não melhorou sobrevida com função neurológica aos 6 meses mas parece diminuir mortalidade aos 3 e 6 meses.
Gastroenterologia & Hepatologia
n=312 (de 904 rastreados), duplamente-oculto
P - Obstipação idiopática crónica (1-2.5 dejecções / semana) + Refractária a tratamento habitual
I - Cápsula oral vibratória 1x/dia e 5x/semana durante 8 semanas
C - Cápsula oral placebo
O 1º » MAIS aumento de >0 dejecção / semana em 6S das 8S - 39 vs 22 %
» MAIS aumento de >1 dejecção / semana em 6S das 8S - 23 vs 11 %
2º » Iguais EAs excepto sensação vibratória em 11% dos do grupo "I"
Comentário: Parece dia das mentiras, mas não, foi mesmo publicado! Um cápsula ingerida vibra quando chega ao cólon para estimular a peristálise. Não me parece um terrível ensaio, gosto de originalidade, embora tenha muitas dúvidas. Primeiro, não sei aumento de dejecções é um desfecho orientado ao doente (é discutível: para os médicos não é muito relevante, mas talvez a maioria dos doentes vai dizer que é importante para eles...portanto sim?). Depois, como facilmente se percebe, é impossível de manter a alocação do grupo de intervenção (a sensação vibratória em 11% dos casos dá-nos garantia de que, pelo menos nesses, não se manteve). Ainda, ressalto que os resultados não são muito impressionantes, isto não aumentou assim tanto as dejecções. Por último, quero ver o preço que isto terá em Portugal...presumo que não será barato (nos EUA serão 89 dólares estadunienses por mês). Finalizando com a pergunta: se fossem vocês a pagar, pagariam mais de 80 euros por mês para apenas mais umas poucas idas ao WC? Eu cá tenho outras ideias de como aplicaria essa quantia. Também vale ingestão de alimentos com o mesmo fim secundário, isto para não usar outro jargão mais pesado. Enfim, o ensaio deu-me para gargalhadas mentais e dará certamente para muitas piadas profissionais. Não descuremos o poder terapêutico da "gargalhada profissional"!
Conclusão: Cápsula oral vibratória aumentou um pouco as dejecções semanais, sem efeitos adversos.
Geral, Geriatria & Paliativos
n=30, China (Xangai), 2022
Okay, ensaio muuuito limitado. Mas para quem usa ensaios pequenos, desfechos não-orientados ao doente e até estudos observacionais limitados para defender muita coisa (sobretudo no tema politizado do COVID), aqui temos uma contra-defesa no campo dos estudos limitados a dizer que várias variáveis de substituição foram negativamente impactadas pela máscara N95. Se querem estudos melhores, vejam os ensaios no tema (spoiler: a melhor prova existente está mais contra que a favor da utilização de máscaras, não só no geral mas com também no COVID).
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
n=1074 aos 9M (81%) / 1126 aos 6M (85%), quadruplamente-oculto, 5 centros nos EUA, 2020-2022
P - 30-85A + Excesso de peso/Obesidade + Sintomas COVID-19 últ. 7d e PCR/Ag últ. 3d
I1 | I2 | I3 - Metformina | Ivermectina | Fluvoxamina
C - Placebo
O 1º » "Menos COVID-longo aos 9M c/ metformina" segundo doente - 6.3 vs 10.4 % (HR 0.59, 0.39–0.89 | p=0.012)
» "Igual COVID-longo aos 9M c/ ivermectina e fluvoxamina"
2º » Menos COVID-longo se IMC>30 vs IGUAL COVID-longo se IMC>30 (metformina)
» Menos COVID-longo se não-vacinado vs IGUAL COVID-longo se vacinado (metformina)
* Vacinação primária em <60% » 58% (metformina) vs 52% (placebo)
* DCV em 26% (metformina) vs 24% (placebo) | DM2 em 1% (metformina) vs 2% (placebo)
Comentário: Acho que não preciso de comentar muito. Apesar de declarações semi-spinadas durante o artigo (incluindo referências à 1ª-fase do COVID-OUT publicada no NEJM, ensaio que não foi positivo para o desfecho primário, entre outros resultados pouco convincentes, mas é citado como se tivesse sido), ensaio muito pouco convincente, na minha opinião. Em primeiro lugar, o óbvio de estarmos a confiar em relatórios de doentes sobre o seu diagnóstico. Em segundo, o efeito parece só ter acontecido nos doentes com obesidade. Sendo a metformina um medicamento usado na obesidade e o COVID-longo uma entidade subjectiva...onde estará a objectividade aqui? Em terceiro, também parece apenas ter efeito nos não-vacinados. Este terceiro ponto é, para mim, o mais relevante por duas razões implícitas - a de que no mundo real já está praticamente tudo vacinado (em PT pelo menos está virtualmente toda a gente) e, a mais impoortante de todas, houve uma diferença importante de menos 6% de vacinação no grupo de placebo, o que limita ainda mais as conclusões. Depois, toda a problemática de 20% de perda para o follow-up. Finalmente, a controvérsia do COVID-longo em si mesmo, uma entidade nebulosa com definição não universal e sobre a qual os melhores estudos que conheço não parecem revelar uma entidade distinta do familiar síndrome pós-viral que já todos conhecíamos antes do COVID-19.
Conclusão: Metformina reduziu relatório de COVID-longo por doentes 9 meses após terem tido COVID-19 em obesos e não-vacinados. Ivermectina e fluvoxamina não reduziram.
Nefrologia
n=589 (de 601 aleatorizados), NIT, duplamente-oculto/dummy, multicêntrico e multicontinental (94 centros), 2018-2022
P - Recepiente de transplante renal CMV-negativo + Recebeu transplante de dador CMV-positivo + Dia 0-7 pós-Tx
I - Letermovir 480mg qd + aciclovir (act. anti-VHS/VVZ, sem act. anti-CMV)
C - Valganciclovir 900mg qd
O 1º » NÃO-INFERIOR doença CMV às 52 semanas - 10.4 vs 11.8 %
2º » 0 vs 1.7 % com doença CMV às 28 semanas | 2.1 vs 8.8 % com DNAemia às 28 semanas
» 0 vs 12% de substituições de terapêutica por resistência
» Menos leucopénia ou neutropénia às 28 semanas - 26 vs 64 %
» Menos descontinuação terapêutica - 4.1 vs 13.5 %
Comentário: Já era utilizado na área dos transplantes de medula óssea, agora chega ao mundo nefrológico. Não me parece mal, não só pela menor descontinuação e efeitos adversos, mas também por menos substituições terapêuticas por resistência e, até, com tendência numérica frustre para superioridade de eficácia. Não foi um ensaio gigante e houve perda para follow-up depois do seu início, mas ao menos isto foi estudado em ECA!
Conclusão: Letermovir não-inferior a valganciclovir na prevenção de CMV associado a transplante renal e com menos efeitos adversos e descontinuação terapêutica.
ESTUDOS OBSERVACIONAIS
REVISÕES SISTEMÁTICAS COM ESTUDOS OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)
Doente crítico/urgente
n=22 estudos, 2010-2020
Revisão sistemática com objectivo de comparar abordagem conservadora com interventiva para qualquer pneumotórax espontâneo primário, além da recomendação da BTS para drenar todos os que tenham mais de 2cm em Rx-Tx. Não consigo aceder ao estudo total, mas pelo resumo incluem-se tanto estudos observacionais como ECAs. Resultados: abordagem conservadora com melhor desfechos de estadia hospitalar, iguais desfechos de complicações a curto-prazo e recorrência a longo-prazo (2 anos), pior desfecho de cura de PPE (o que, pelos vistos, não significou nada) e mais custo-efectivo. Mais uma engrenagem no corpo de estudo da abordagem do pneumotórax, com as devidas limitações.
PRIMÁRIOS - SUB-ANÁLISE / COORTE / CASO-CONTROLO / INQUÉRITOS / A. ECONÓMICAS
Cardiovascular
n=22.941, coorte transversal de 5 ECAs
Esta pooled-analysis de 5 ECAs de comparação de monoinibição P2Y12 com terapia antiplaquetária dupla a partir do 1º-3º mês é já de Fevereiro mas só agora tive oportunidade de lhe pôr os olhos em cima. O objectivo foi estudar os doentes com ICP complexa (20%, 4.685) e observar de que modo estender a antiagregação dupla melhoraria os desfechos - spoiler alert, não melhorou. E aumentou a hemorragia major. Este tem vindo a ser um tema constante no blogue (por consequência do sucessivo e relevante corpo de estudo no tema) e esta é mais uma peça do puzzle. Cada vez fico mais convencido que, no mundo actual de prevenção/tratamento anti-doença aterosclerótica ultra-avançado, a anti-agregação dupla por muitos meses é provavel e genericamente redudante. Fiquei ainda mais convencido depois de ter lido que a mortalidade pós-ICP acontece sobretudo nos primeiros dias. Tirem as vossas conclusões!
Cirurgia, Ortopedia & MFR
Subánalise aos 90 dias do CRISTAL CLEAR confirma que a igual mortalidade se mantém (decidiram estender pelos poucos eventos). No ensaio inicial, houve mais TEV sintomática mas igual mortalidade com aspirina.
Geral, Geriatria & Paliativos
n=162 métricas, estudo retrospectivo, 1 hospital dos EUA - Johns Hopkins (Baltimore, Maryland), 2019
Estudo interessante para sabermos os custos de suportar todas estas métricas de suposta "qualidade" que os hospitais têm de usar. Talvez para muitos seja irrelevante, mas para mim, interno de um hospital que tem auditorias frequentes para a acteditação da JCI, diz alguma coisa. E aqui temos, um gasto exorbital de dinheiro, que convertido para euros dá 50 milhões mais uns "míseros" adicionais 500.000. Sim, realidade americana, de um dos hospitais mais conhecidos do mundo e provavelmente com mais gastos e dimensões. Ainda assim, é isto que temos.
Hematologia
Okay, tudo isto pode ser mera coincidência observacional...mas como os antibióticos são tão ampla e despreocupadamente utilizados, e o campo do transplante de medula óssea não é excepção (muito pelo contrário), fica aqui uma associação que pode interessar a todos: utilização de antibióticos associados a maior risco doença do enxerto contra hospedeiro agudo no transplanto alogénico de medula óssea.
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
n=320, estudo prospectivo, validação de algoritmo (SULF-FAST), Austrália e EUA (Melbourne e Nashville), 2015-2022
Interessante. Autores adaptaram o recente PEN-FAST à alergia ao componente sulfa isto para ajudar na decisão de usar TMP/SMX ou não. E, assim como no primeiro, resultou (se resultado inferior 3) com <5% de risco de reacção!
"PEN-FAST (SULF-FAST) criteria are as follows:
Allergy event occurred ≤5 years ago (2 points)
Allergy event was anaphylaxis/angioedema or severe cutaneous adverse reaction (SCAR; 2 points)
Treatment was required for allergy event (1 point)"
Meta-investigação & MBE
n=154 autores, coorte transversal de autores não-investigadores primários, <08/2022
Meta-estudo interessante, vindo da cabeça do Ioannidis. Ele decidiu estudar os "autores não-investigadores primários" (definidos como editores ou membros dos jornais, escritores convidados, correspondentes e escritores de notícias para jornais) que publicaram >200 artigos nos jornais Nature, Science, PNAS, Cell, BMJ, Lancet, JAMA ou New England Journal of Medicine. Encontrou 154 autores, dos quais 148 publicaram mais de 60.000 artigos do género nos seus jornais de afiliação primário. Nature, Science e BMJ dominam este tipo de autoria (o que é perceptível para quem conhece os journais, sobre tudo o BMJ). Grande parte destes artigos são amplamente citados e grande parte dos autores não publicam quase nada de investigação primária. Não sei bem o que interpretar daqui, a não ser que temos de ter cuidado com o que lemos e o que de lá interpretamos. Não acho mal que hajam autores não-investigadores deste género, nem toda a gente tem de ser investigador primário. Muito pelo contrário, é bom que hajam bons divulgadores e comunicadores de ciência. Agora, misturar tudo no mesmo "jornal" talvez não seja o melhor...mas isto daria uma grande e boa conversa. De qualquer forma, acho que a maioria concorda que algo na publicação científica tem de ser reformado. Como toda a reforma, é sempre bom termos cautela no processo para evitar cismas profundos.
Neurologia
n=1.231, estudo retrospectivo, base de dados de SGB internacional e multicêntrica
Estudo interessante e de larga amostra para conhecermos melhor a entidade Síndrome de Guillain-Barré. Apesar da natureza observacional e retrospectiva, acho que é sempre para aprendermos de forma mais rigorosa com a média dos doentes que todos (quem vê doentes com SGB) andamos a ver. Para quem não vê assim tantos, é sempre bom ver a média dos mesmos. Primeiro, dissociação albumino-citológica em apenas 70%. Já vos tínahmos trazido o contrário, que nos doentes mais velhos o cutoff normal de proteinorráquia é superior. Mas mesmo nos que têm proteínas normal, podem ter tido diagnóstico de SGB. A parte boa, é que essa ausência será em formas mais leves e menos desmielinizantes. Mas atenção, entre outros, podem ser doentes com a tríade de Miller Fischer e fraqueza mais distal!
Técnicas, POCUS, Exames & Outros
n=313 (de 494), estudo retrospectivo, centro único em Portugal (Lisboa), 2018-presente
Bem, antes de tudo, assinalo um (ou dois) conflito de interesse aqui: a primeira-autora e cabeça por detrás deste estudo original é não só uma amiga mas também uma das co-autoras do blogue e podcast. Além disso, tanto eu como ela acreditamos que a nefropatia associada ao contraste é, no mínimo, muito menos relevante do que se acha (no máximo, inexistente), e já falámos disso no 4º episódio da nossa breve e embrionária versão portuguesa do SGEM. Dito isto, acho que este foi mais um estudo relevante no tema porque partiu da ideia original de encontrar uma situação onde fazemos (em vários centros de Portugal) TC com contraste por definição a todos os doentes para minimizar o habitual viés de selecção dos estudos neste tema: via verde de AVC. Resultados? Mesmo com uma definição abrangente e conservadora de LRA-AC em que não se incluiu exclusão de outras causas mais prováveis, LRA-AC clinicamente significativa em apenas 1.3% dos casos (sendo que, argumentam os autores, em todos esses casos haveria outra causa potencialmente mais provável). Muitos parabéns à nossa filósofa e investigadora Mariana e colegas.
CASOS CLÍNICOS e SÉRIES DE CASOS
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
Nunca utilizei eculizumab pelo que não faço ideia da frequência quer da profilaxia quer da ocorrência de bacteriémia por bactérias encapsuladas, mas pareceu-me interessante e pertinente.
OPINIÃO
PERSPECTIVA
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
Discussão interessante sobre a ética no acto de dar ou não dar antibióticos a doentes com história de alergia a penicilina. Embore goste do tema da "hipersensibilidade a beta-lactâmicos" (misnomer, nem deveríamos estar a chamar isto...) e até de discussões éticas, acho que isto se aplica sobretudo para uma realidade que já não é a presente, já que, como é argumentado (e bem) a verdadeira percentagem de hipersensibilidade a penicilina é mínima, já para não falar de ainda mais insignificante percentagem de hipersensibilidade grave com anafilaxia (1 em cada 10.000 de doentes internados). Ainda mais relevante, é que, mesmo nos casos em que esta existe, temos outras opções de espectro não alargadíssimo dentro até dos beta-lactâmicos, já que a reacção não se dá através do anel mas sim das cadeias laterais. Basta conhecermos o tema....mas um pouco de ética é sempre bem-vinda!
Meta-investigação & MBE
Deixei escapar esta perspectiva de Ioannidis e dois italianos de Março, mas o discreto atraso de 3 meses não lhe retira importância. Os mega-journais, definidos como os que publicam >2.000 artigos / ano, estão a crescer e parece que continuam. Isto é uma faca de dois gumes, como potencialmente tudo o que está em crescimento exponencial.
Bem escrito, curto e eficaz, reflecte sobre os dois estudos do Ioannidis que mencionei e sobre os jornais científicos no geral.
Viés de selecção em estudos observacionais! Toda a gente (ou quaee...) sabe que existe mas há quem contra-argumente que pode ser "maximamente minimizado" com os chamados "ensaios emulados" (calma puristas lusitanos, emular vem do latim aemulor segundo o priberam). No meio de todo esse debate para outro dia, há formas rápidas de dele suspeitar como a visualmente eficaz mirada das curvas de kaplan-meyer. Se elas se separarem logo no dia 0 ou primeiros dias quando a intervenção em estudo é uma intervenção preventiva e sem plausibilidade biológica de actuar em horas, desconfiem! Neste artigo de opinião/explicação, isto é explicado e são dados vários exemplos reais.
FOAMed
Gastroenterologia & Hepatologia
Estamos sempre a aprender (e como isso é bom!). É frequente ouvir "okay, fibratos para doença cardiovascular já não...mas se triglicerídeos muito elevados, para prevenir pancreatite, sim!". Pelos vistos, não há ECAs a estudar fibratos para TG>500mg/dl e, nos ECAs com TG elevados mas não tanto...não reduz e até pode aumentar o risco ! (a explicação teórica possível é a de que aumenta a litíase biliar). Em relação estatinas, redução muuuuito discreta e apenas estudos para TG mais reduzidos. De qualquer modo, esses doentes já estarão a fazer estatinas por outros motivos, provavelmente.
Hematologia
Revisão rápida e pragmática.
ARA - Aumento de Risco Absoluto | EBM - Evidence-based medicine | ECA - Ensaio controlado e aleatorizado | ITT - Intention-to-treat Analysis | MA - Meta-análise | MBE - Medicina baseada na evidência | NIT - Non-inferiority trial | NNH - Number needed to harm | NNT - Number needed to treat | PPA - Per protocol analysis | RR - Redução Relativa | RRA - Redução do Risco Absoluto | RS - Revisão Sistemática
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