Com moderado atraso, em parte motivado por afazeres de internato médico, finalmente ajeitei um tempo no raio de luz matinal das minhas férias para publicar o Fev-esFOAM.
Este mês, parece que a fatia de rabanada do Natal passado desassossegou a comunidade científica deste nosso planeta colesterolémico, a COVID-19 veio para não-ficar (e ainda bem) e muito mais.
Começando pelo supra-sumo da limonada científica, as RS de ECAs:
Como evidentemente já sabíamos nós que obviamente lemos o FOURIER e o ODISSEY-OUTCOMES, confirma-se numa MA de 6 ECAs da BMJ-HEART / Cochrane que os iPCSK9 evoculumab e alirocumab têm benefício estreito em quase todos os outcomes excepto o de mortalidade total, o que terá diferente valor para diferentes médicos e doentes.
Ainda na mesa do colesterol, o JAMA Neurology trouxe-nos uma interessantíssima MA que nos confirmou que estatina alta-dose reduz AVC isquémicos futuros com um NNT de 90…e novidades? Concluiu que esse benefício desaparece nos doentes sem aterosclerose (o que etiológica e fisiopatologicamente parece fazer sentido) e sinalizou o risco de aumentar AVC hemorrágicos com um NNH de 200.
Graças ao recente e excelente RACC Lit Updates do Scott Weingart, tomei conhecimento com surpresa da recente RS relativa ao flumazenil: nos doentes com alteração do estado de consciência por overdose a benzodiazepinas, o flumazenil triplica os Efeitos Adversos Gerais e quadruplica os Efeitos Adversos Graves (arritmias e convulsões). Desfasado do que me parece ser a prática corrente de “flumazenil 4 all”, concluem dizendo que “flumazenil 4 few”.
De resto, algumas tentativas de aumentar passos e minutos de exercício por semana com ajudas externas (...POOs?...), inibidores da aromatose superiores a tamoxifeno a prevenir recorrência de neoplasia da mama ER+, cuidado com margens de não-inferioridade e intervenções familiares na esquizofrenia.
Sem surpresas, no COVID-19, tivemos uma revisão quase completa de intervenções com 4 MA - eficácia das vacinas, efeitos adversos das vacinas, eficácia dos anti-virais e eficácia de intervenções não-farmacológicas. Lembro que a actual população “doente COVID-19 dupla e triplamente vacinado” é de muito menor risco que a da maioria dos ensaios.
Nos ECAs:
Arritmologia e dispositivos cardíacos a bombar, mas nem sempre com final feliz - estimulação da medula espinhal foi parece (poucos doentes…) prevenir FA aos 30 dias pós-CABG com um dispositivo colocado 3 dias antes e retirado 7 dias depois ; estimulação magnética transcutânea do gânglio estrelado parece (pouquíssimos doentes e não estatisticamente significativo) prevenir TV às 24h e 72h em doentes com TV recorrente ; no entanto, dispositivo gerador de shunt atrial não foi eficaz na IC de FEp e FEmr.
Obesidade e agonistas GLP-1 também é um tema do momento - mais um pequeno grande passo com a reprodução do que já sabíamos na população oriental e o agonista GLP-1 2.0 tirzepatide a confirmar uma vez mais que merece um lugar no pódio.
Outro tema da moda, o AVC, não escapou. Em primeiro lugar, destaco por razões não muito risonhas mais uma comparação entre Trombectomia com ou sem alteplase, sendo que neste caso a suspeita de p-hacking é gritante, pois de 1800 doentes previstos inicialmente, apenas 113 (6%) acabaram por ser aleatorizados, com uma suspensão antes do tempo duvidosa e com um não menos questionável p-value de 0.047…impossível de retirar qualquer conclusão assim. Por razões mais felizes, destaco o sinal de eficácia de trombectomia nos AVC isquémicos extensos (Alberta 3-5), mas cautela com hemorragia intracraniana, além de amostra pequena e open-label. Para finalizar a neuroconversa, mas sem grandes surpresas, tratar padrões de EEG sem tradução clínica obrigatória não melhorou prognóstico neurológico de sobreviventes de paragem cardio-respiratória (igualmente péssimo).
Falando de surpresas, não esperava que o alopurinol e o febuxostato fossem tão equiparáveis tanto em termos de eficácia (o alopurinol até parece superior, mas ensaio de não-inferioridade…) como em termos de efeitos adversos como lesão renal e eventos cardiovasculares em doentes com DRC Grau III.
No doente crítico, também não seria óbvio que, na transfusão de concentrado de complexo protrombínico (PCC), a estratégia fixa e ajustada fossem equivalentes. Aplausos ainda para a ketamina e a dexmedetomidina, que até já ganham pontos na psiquiatria.
Numa era em que a palavra vacina traz vários sentimentos apegados (e vidas salvas…), é bom saber que o terror da infecção pediátrica (VSR) e o vexame da mulher altiva (ITU recorrente) poderão vir a ser neutralizados num futuro próximo. E como nem só de vacinas se faz a imunidade, a plinabulina foi mais eficaz que o filgrastrim a prevenir neutropénia febril à custa de menos infecções e dor óssea.
Para quem ainda não se convenceu que o auto-convencimento conta, vejam como a injecção de água estéril no dorso reduziu a lombalgia (adicionado a AINE). No entanto, auto-monitorização pode não ser o mesmo.
Finalmente, na COVID-19 não tivemos muitas surpresas. Talvez a confirmação de que "1 dose nos previamente infectados basta" seja mesmo a melhor, apesar de mais famosa ter sido a publicação (eficácia discutível e apenas em doentes sem vacinação ou sem COVID-19 prévios) do molnupiravir.
Guidelines:
Algumas actualizações sem nada de muito novo, das quais destaco o uptodate das ACC/AHA/SCAI na revascularização coronária por toda a celeuma gerada, nomeadamente pela diminuição da recomendação de CABG de I para IIb na doença coronária estável mantendo recomendação IIb para PCI, sendo também importante ler a discussão com direito a carta por parte da sociedade de cirurgiões cardíacos latinos. Por um lado, percebe-se que a prova do benefício de revascularização na doença estável diminuiu com o ISCHEMIA, por outro, é controverso que PCI seja equivalente a CABG pelo conjunto de prova existente, pelo que, no mínimo, tal deveria ser justificado.
Revisões de estudos observacionais:
Aglutinação interessante sobre quais os alimentos com associação certa ou incerta a benefício cardiovascular (se conhecerem alguma daquelas influencers que vão ao honest greens comer saudável, tentem mostrar-lhe) e mais associação de que a intolerância a estatina é menos frequente do que se acha (9%), além de sobrestimado.
Os biossimilares funcionam e fazem falta, o prurido senil é frequente mas não faz grande falta, as alergias a vacinas COVID-19 são raras e é bom que faltem, entre outros.
Dos observacionais, tanta coisa que espaço falta, mas destaco:
Doentes de alto-risco cardiovascular muito mal tratados (mas o que importa é o COVID-19…), ecocardiografia equivalente a RM cardíaca na disfunção cardíaca associada a neoplasia, técnica off-pump na CABG sem grande vantagem após 10 anos.
Dispositivos supraglóticos equivalentes a intubação orotraqueal em paragens cardiorespiratórias fora-do-hospital (ROSC in OHA) e agravamento neurológico às 24h raro e sem morte ou futura intervenção em TCEs minor de anticoagulados.
Descoberta de nova variante do VIH mais virulenta e tratamento de bursite do olecrâneo segura apenas com antibioterapia sem aspiração.
Hematúria microscópica comum nas mulheres saudáveis (alerta tratamento de exames sumário de urina), em doentes com estridor que se pensa ser asma, grande parte pode ser disfunção das cordas vocais, mais evidência de que o COVID-19 e a forma como o abordámos impactou negativamente muita coisa como a neoplasia da mam, e é surpreendente como a política se infiltra na decisão terapêutica dos médicos.
Ainda, casos clínicos, estudos económicos como a demonstração da custo-efectividade da fisioterapia vs. injecções de corticóide no tratamento da gonartrose, revisões não-sistemáticas e artigos de opinião.
Por fim, os sempre sábios e críticos mentores do universo FOAMed.
ECA - Ensaio clínico aleatorizado | MBE - Medicina baseada na evidência | RS - Revisão Sistemática
DOO - Disease-oriented outcomes | POO - Patient-oriented Outcomes
RS de ECA
COVID-19
Doente crítico/urgente
Meta-investigação & MBE
ECA
Cirurgia, Ortopedia & MFR
COVID-19
Infecciologia, Microbiologia & Antibióticos
GUIDELINES
Gastroenterologia
Infecciologia, microbiologia & antimicrobianos
REVISÃO DE OBSERVACIONAIS (com ou sem ECA)
Doente crítico / urgente
Geral, Geriatria & Paliativos
Infecciologia, Microbiologia & Antibióticos
MBE & Meta-investigação
PROSPECTIVOS
Cardiovascular
COVID-19
Doente crítico/urgente
Gastroenterologia
Infecciologia, Microbiologia & Antibióticos
RETROSPECTIVOS
Cardiovascular
Cirurgia, Ortopedia & MFR
COVID-19
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
Meta-investigação & MBE
Neurologia
Oncologia
CASO CLÍNICO
Diagnóstico - Elevated Serum Aminotransferases | Rheumatology | JAMA
ESTUDOS ECONÓMICO
REVISÃO NÃO-SISTEMÁTICA
Doente crítico/urgente
ARTIGOS DE OPINIÃO
Doente crítico/urgente
Infecciologia, Microbiologia & Antimicrobianos
FOAMed
COVID-19
First10EM COVID therapy evidence update
Geral, Geriatria & Paliativos
Infecciologia, Microbiologia & Antibióticos